Sistema de metas de inflação e independência do Banco Central – Um breve ensaio

O sistema de metas de inflação foi adotado pela autoridade monetária brasileira em 1999 no rastro da crise que culminou no abandono da sistemática de flutuação limitada da taxa de câmbio do real vis-à-vis às demais moedas, especialmente o dólar dos EUA. Nessa mesma ocasião, as metas de inflação também foram incorporadas aos compromissos assumidos pelo país junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) como parte do programa de ajuste macroeconômico acordado com aquele organismo.

Tratava-se, com alguma urgência, de substituir a âncora representada pela cotação em reais da moeda dos EUA por outra âncora nominal, demonstrando para os agentes econômicos domésticos que a readquirida liberdade para praticar políticas monetárias ativas não seria aproveitada pelo Banco Central para financiar o setor público brasileiro por intermédio do imposto inflacionário, como havia ocorrido ao longo da década de 1980 e de parte da década de 1990.

A sinalização pretendida, porém, diferentemente do que ocorria no caso da âncora cambial, não era automática. Dependia, pelo contrário, de uma decisão discricionária da autoridade monetária no sentido de limitar a sua própria liberdade de ação, pautando-se por objetivos tornados públicos e facilmente verificáveis a posteriori. A questão a ser respondida era, e é, como tornar esses compromissos críveis a priori.

No primeiro momento, o país contou com o endosso do FMI e com a reputação do recém-indicado Presidente do Banco Central para emprestar credibilidade à nova política. Este artifício mostrou-se válido, apesar das dificuldades enfrentadas pelo país em 2001, quando o limite superior da meta fixada foi extrapolado em decorrência de vários choques externos e internos sobre o mercado de câmbio e sobre a oferta e a demanda agregadas.

Pensando-se, contudo, mais a médio e longo prazos, impõe-se conceber estratégias que assegurem institucionalmente a credibilidade perseguida pelas autoridades monetárias. Uma opção lembrada com frequência é a de dotar os diretores do Banco Central de mandatos fixos, não coincidentes com o do Chefe de Estado, permitindo que o Banco tenha liberdade funcional para perseguir as metas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Uma crítica que tem sido feita a proposta em questão é que isso limitaria a capacidade do governo federal de perseguir outros objetivos econômicos. Essa visão, no entanto, choca-se frontalmente com os objetivos visados pela proposta, qual seja: limitar a discricionariedade do setor público para adotar políticas potencialmente inflacionárias. Considerando-se o processo de formação de expectativas acerca do desempenho das economias latino-americanas, fortemente influenciado por um passado ainda próximo, é forçoso admitir que, do ponto de vista dos agentes econômicos, alguma complacência com índices moderados de inflação é um mero prenúncio de taxas ainda maiores. Portanto, a crítica em exame é uma manifestação pública do próprio mal a ser evitado.

Outra crítica feita à concessão de independência ao Banco Central está nas suas atuais atribuições, abrangendo desde o registro das operações cambiais até a fiscalização do sistema bancário, passando pelo tradicional controle da oferta monetária. Não deve ser difícil perceber que o controle dos bancos comerciais, criadores de moeda, pode, eventualmente, ser afetado por interesses maiores ligados à administração dos agregados monetários. Esta crítica é bastante relevante e deveria ser enfrentada por meio, talvez, do desmembramento do Banco em agências especializadas.

Concluindo, tanto o sistema de metas de inflação como a concessão de independência ao Banco Central têm como pano-de-fundo a busca de estratégias que deem credibilidade à política monetária. Protelar a discussão sobre a independência expõe o país ao risco de que expectativas negativas se formem, pondo por terra o trabalho de vários anos.

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