Top 10 maiores milagres econômicos da história: 5 – O Milagre Econômico Brasileiro

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Contexto e antecedentes: Jango, o golpe de 1964 e o PAEG

Para se entender o chamado Milagre Econômico Brasileiro (1968-1973), é necessário compreender o contexto econômico e político no qual ocorreu o golpe militar de 1964. Além da instabilidade política desde o início do governo Jânio Quadros, que foi intensificada com sua renúncia e com as hesitações em torno da posse de João Goulart, o país também vivia um contexto de crise econômica, vivenciado após um período de crescimento na década de 1950. De acordo com Mário Mesquita, em “A Ordem do Progresso” (2014):

Suas dificuldades políticas se somavam à herança macroeconômica nada trivial deixada pelo governo Kubitscheck. Se, por um lado, a economia havia de fato avançado consideravelmente entre 1956 e 1960, com expansão de quase 50% do PIB e de pouco mais de 60% na produção industrial, por outro, os sinais de descontrole macroeconômico eram evidentes. A inflação medida pelo deflator implícito do PIB, que tinha sido de 11,8% em 1955, acelerou para 25,4% em 1960 (p. 180. Grifos nossos)“. 

Diante disso, ao mesmo tempo, eram necessárias reformas para conter a inflação, o déficit público, bem como para retomar o crescimento. Mesmo o Plano Trienal de Jango, capitaneado pelo economista Celso Furtado, com clara orientação heterodoxa, fazia o diagnóstico de que a inflação resultava essencialmente da expansão dos gastos públicos. Da mesma forma, o governo se propunha a negociar com o FMI em relação à dívida externa. No entanto, a falta de sustentação política do governo impossibilitou a implementação do Plano Trienal e levou, entre outros fatores, ao golpe militar.

No poder, os militares partiram do mesmo diagnóstico do governo golpeado: era necessário sanear as contas públicas, combater a inflação, mas também era necessário crescer, até mesmo para legitimar politicamente o regime autoritário. Nesse contexto, logo em 1964, foi criado a PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo), elaborado por nomes como Octávio Bulhões (Fazenda) e Roberto Campos (Planejamento).

De acordo com André Lara Resende (2014), entre 1964 e 1969 a inflação caiu de 100% a.a. no primeiro ano, para 20% a.a. no último. O crescimento do produto saltou de 0,6% em 1963 para 9,8% em 1968. O objetivo do PAEG era combater a inflação sem ameaçar o ritmo da atividade produtiva. A inflação era diagnosticada, de forma heterodoxa, segundo o autor, como tendo três causas: déficits públicos (que deveriam ser contidos pelo corte de despesas não prioritárias e pela racionalização tributária), expansão de crédito (que deveria ser “controlada para impedir os excessos da inflação de procura, mas suficientemente realista para adaptar-se à inflação de custos”), salários mais altos que a produtividade (cujo aumento real deveria ser proporcional à produtividade e à aceleração do desenvolvimento).

Conforme o autor, a contenção dos déficits governamentais teria sido mais bem-sucedida que os outros dois pilares: caiu de 4,2% (1963) para 1,1% (1966) como proporção do PIB. O modelo de financiamento também mudou: desde 1960 os déficits eram quase totalmente financiado por emissão de papel-moeda, passando então a serem integralmente financiados pela venda de títulos da dívida pública em 1966.

Resende salienta novamente o caráter não “perfeitamente ortodoxo” do PAEG, em razão da preocupação com a manutenção do crescimento e a tolerância com a inflação, a ser combatida de maneira gradualista (ilustrada também pelo mecanismo da correção monetária). Os elementos de ortodoxia, fiscal e monetária, poderiam ser explicados pela necessidade de credibilidade junto a agências financeiras e investidores internacionais. De qualquer forma, o autor conclui observando que as reformas modernizantes do governo Castello Branco estabeleceram os fundamentos para o rápido crescimento a partir de 1968.

Em artigo, Veloso, Vilella e Giambiagi (2008), buscam fazer uma análise empírica do milagre brasileiro, utilizando uma metodologia de regressões de crescimento com dados de painel, e chegam basicamente à conclusão de que o efeito defasado das reformas do PAEG foram o principal determinante para o milagre, em comparação à situação externa e às políticas internas.

O milagre: crescimento, inflação e endividamento

Conforme Munhoz (1997), o período 1968-1973 teve as maiores taxas de crescimento do produto na história recente do Brasil (média de 11,5% a.a.), com relativa estabilidade de preços (inflação entre 19,13% a. a.), como vê-se na tabela e no gráfico abaixo:

Taxa de inflação anual brasileira (1930-1989)
Taxa de crescimento anual do PIB brasileiro (1964-1976)

Essa performance seria resultado das reformas institucionais, da recessão e capacidade ociosa do período anterior e do cenário internacional favorável. Aceitava-se a convivência da inflação com o crescimento, e o diagnóstico de inflação de demanda foi substituído pelo de inflação de custos, levando ao afrouxamento das políticas monetária, fiscal e creditícia. Foi iniciada uma política de controle de preços, com reajustes devendo ser previamente aprovados pelo governo, através do CIP (Conselho Interministerial de Preços), criado em 1968. Outro órgão de destaque no período foi o CDI (Conselho de Desenvolvimento Industrial), que estimulava as importações nos setores de bens de capital e intermediários. Fato também ressaltado é a direção do Ministro Delfim Netto durante o processo. 

Paralelamente, teve origem o endividamento externo no regime militar para além do recomendado pelo FMI, configurando um sobre-endividamento, justificado oficialmente pela necessidade de poupança externa para viabilizar o crescimento. Merece destaque a elevada participação da intervenção do setor público no período em dois aspectos fundamentais: (i) controle dos principais preços da economia pelo Estado (câmbio, salários, juros, tarifas), além de preços administrados pelo CIP, justificados pela inflação de custos; (ii) responsabilização do Estado para a maioria das decisões de investimento, tanto por meio dos investimentos da administração pública e das estatais quanto pela captação de recursos financeiros (fundos de poupança compulsória, títulos públicos, cadernetas de poupança, agências financeiras estatais), dos incentivos fiscais e dos subsídios.

De maneira geral, as metas traçadas pelo governo para o período foram alcançadas, inclusive além das expectativas em termos de crescimento. A inflação e o endividamento externo, no entanto, ficaram aquém do esperado, tornando-se problemas potenciais para os governos seguintes. Conforme Lago (2014), é notável o caráter autoritário da política econômica no período (em relação aos entes federados, outros poderes e segmentos da sociedade), com amplo respaldo do Executivo para o Ministério da Fazenda e para o Planejamento, em menor medida. Apesar do crescimento, as políticas salariais restritivas tiveram impacto social negativo, de modo que os segmentos que não tiveram perdas reais cresceram abaixo da produtividade e do aumento da renda per capita.

O fim do milagre: choque do petróleo, marcha forçada e década perdida

No final do governo Médici houve o choque do petróleo, em 1973, que afetou toda a economia mundial. Para Gremaud et al. (2011), a continuação do “milagre” dependeria de uma situação externa favorável, o que fez com que os rumos da política econômica tivessem que mudar. A inflação saltara de 15% a.a. em 1973 para mais de 46% em 1976 (Munhoz, 1997). O balanço de pagamentos também apresentava déficits, não só em função do petróleo, mas pela necessidade de importação de bens de capital e insumos básicos.

Assim, o modelo de crescimento apresentava limites, ao mesmo tempo em que o país não poderia abdicar da estratégia desenvolvimentista, que era seu principal sustentáculo político. Concomitantemente, surge o debate “ajustamento versus financiamento”: o primeiro colocava a necessidade de conter a demanda interna e evitar o descontrole da inflação; o segundo, acreditando que a crise seria passageira, baseava-se no financiamento externo para a continuidade do crescimento. O Ministro Simonsen, no início de 1974 (encerrando o ciclo de Delfim no comando da política econômica) optou pelo ajustamento, mas logo as pressões econômicas e políticas mostraram a inviabilidade da escolha.

Diante disso, no final de 1974 foi lançado o 2º PND (a Constituição vigente obrigava o lançamento de um plano de desenvolvimento nacional a cada novo governo), que procurava superar a dicotomia, propondo um “ajuste na estrutura de oferta”, a longo prazo, mas mantendo o crescimento. Tinha origem o chamado “ritmo de marcha forçada”. Esse ajuste consistia na alteração da estrutura produtiva, de modo a diminuir a necessidade de importações e aumentar a capacidade de exportações. Enquanto isso, recorria-se aos empréstimos externos. O objetivo era manter o crescimento em torno de 12% a.a., o que não foi alcançado, embora tenha sido mantido em taxas menores (GREMAUD et al., 2011).

Em nossa análise, é neste ponto do processo que se percebe os limites e fragilidades desse modelo de crescimento, aludidos anteriormente. Apesar de parte da equipe econômica entender a necessidade de um “ajuste recessivo”, o governo não poderia abdicar do crescimento econômico que sustentava a legitimidade de seu poder.

O cenário econômico do início do último governo militar era bastante desfavorável e revisitava as consequências dos governos anteriores. A economia brasileira era muito vulnerável à situação externa, piorada pelo segundo choque do petróleo em 1979, o que elevou os juros internacionais; internamente, um dos grandes problemas era a situação fiscal do Estado, como a redução da carga tributária bruta e os déficits nas estatais, em razão do passivo financeiro e dos controles tarifários. A inflação atingiu 77% a.a. em 1979, com tendência de aceleração.

O Ministro Simonsen tentou um ajuste pelo controle da demanda, mas logo foi substituído por Delfim Netto, que procurou reeditar a política do milagre econômico. Suas medidas também não surtiram os efeitos esperados e ainda geraram problemas como o aumento da inflação (110% a.a. em 1980) e a crise cambial e especulativa, além do problema da dívida externa (Munhoz, 2011).

No início de 1985 a inflação atingia 235% a.a. (Munhoz,1997), continuando em tendência de aceleração, e não respondia aos esforços de controle de demanda. Os conflitos distributivos, a espiral entre preços e salários, e a necessidade de corrigir preços relativos (produtos comerciáveis, agrícolas e derivados do petróleo) fazia com que o governo absorvesse o ônus, levando as finanças públicas à desorganização desde o nível do governo central até as empresas estatais. Assim, Carneiro e Modiano consideram que uma reforma fiscal mirando o desequilíbrio interno deveria ter sido parte das medidas de ajuste do período. Estes, porém, assim como a taxa de inflação, foram tratados “com excessiva tolerância ou complacência passiva” (CARNEIRO, MODIANO, 2014, p. 280).

Considerações finais

Diante do exposto, nota-se que o milagre econômico brasileiro, desde sua origem, apresentava limites e fragilidades, que apontavam para uma difícil sustentabilidade ao longo do tempo. Grande parte de seu êxito se deveu aos ajustes iniciados pelo PAEG, mas que não foram mantidos a partir do governo Costa e Silva. Os dois choques do petróleo nos anos 1970 interromperam definitivamente o boom de crescimento. Apesar disso, o governo Geisel ainda tentou manter o crescimento “em marcha forçada”, recorrendo à expansão de crédito, endividamento externo e aceitando uma maior taxa de inflação. As consequências dessas políticas, no entanto, seriam sentidas no governo Figueiredo, que não teve condições políticas para reagir à situação, dando origem à chamada “década perdida”.

Em suma, apesar do crescimento, industrialização e urbanização gerados nos anos do milagre, as consequências negativas foram sentidas na década seguinte – 1980 – até meados da década de 1990. Problemas como hiperinflação, endividamento externo e baixo crescimento foram resultados diretos das políticas adotadas nos anos do milagre e no governo Geisel. Tais problemas só começariam a ser resolvidos a partir do Plano Real, em 1994 (duas décadas, portanto, após o fim do milagre).

Fontes

ABREU, Marcelo de Paiva et al. A Ordem do Progresso: Dois séculos de política econômica no Brasil. Editora Campus–Elsevier, 2014.

ANDRADE, Caio César Vioto de. Da tecnoburocracia à desburocratização: a trajetória das reformas da administração pública no regime militar brasileiro (1964-1985). Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História. Franca: UNESP, 2021. Disponível aqui.

GREMAUD, Amaury Patrick; DE VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval; TONETO JR, Rudinei. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2011.

MUNHOZ, Dercio Garcia. Inflação brasileira: os ensinamentos desde a crise dos anos 30. Revista de Economia Contemporânea, v. 1, n. 1, 1997.

VELOSO, Fernando A.; VILLELA, André; GIAMBIAGI, Fabio. Determinantes do” milagre” econômico brasileiro (1968-1973): uma análise empírica. Revista Brasileira de Economia, v. 62, p. 221-246, 2008.

Taxa de crescimento brasileira entre 1968-1973

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Este texto foi escrito em parceria com Thales Vanderbilt.

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