Top 10 maiores milagres econômicos da história: 4 – O Fenômeno Asiático

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Introdução

O Fenômeno Asiático se refere ao boom econômico que ocorreu entre os “Quatro Tigres Asiáticos”, também chamados de “Quatro Dragões”. São eles: Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura e Taiwan. Nesses países, ocorreu uma acelerada e excepcional taxa de crescimento econômico, e, assim, eles se transformaram em países industrializados e de alta renda.

Vamos investigar abaixo como isso aconteceu.

1. Hong Kong

1.1. Hong Kong antes do boom (1941-1950)

Com a deflagração do Teatro do Pacífico, Hong Kong, que na época era uma colônia britânica, foi invadida, tomada e posta sob o jugo do Império Japonês de 1941 até 1945. Tal ocupação legou farta pobreza à população honconguesa, pois o Império Japonês modificou e governou o território de modo a este servir apenas para seus interesses de guerra, ou seja, infraestruturas civis foram transformadas em infraestruturas militares, o racionamento de alimentos tornou-se lei, o confisco de todo o estoque de combustível honconguês tornou praticamente impossível o comércio interno na ilha, além de um embargo japonês à ilha e a completa liquidação de toda a reserva monetária estrangeira de Hong Kong para sustentar a máquina de guerra japonesa.

Infelizmente, mesmo com o fim da Segunda Guerra Mundial o povo honconguês não obteve exatamente paz, pois com a retirada do inimigo comum (rendição japonesa de 1945), os chineses voltaram-se para sua Guerra Civil causando um grande fluxo migratório do continente para o território colonial britânico. Apesar das dificuldades, o governo lutou para passar uma imagem de neutralidade na guerra, abrigando também as empresas e seus respectivos ativos que antes estavam alocadas na China Continental.

1.2. Todas as flores do futuro estão nas sementes de hoje (1951-1982)

Como o antigo provérbio chinês do desta subseção nos ensina, a herança e a coletividade são coisas muito importantes, e os chineses levam isso muito a sério. Mesmo sendo uma colônia britânica, Hong Kong preservou muitos aspectos culturais chineses e uniu isso à lógica capitalista inglesa. 

Entre os anos 1951 e 1960 houve um imenso esforço coletivo e governamental para a reconstrução do país e de sua economia. A neutralidade do território em face à Guerra Civil Chinesa trouxe resultados com a chegada de empresas e a alta oferta na mão de obra causada pelo alto fluxo migratório já mencionado. Também nesta época foram lançados audaciosos planos do governo para lidar com problemas como educação e habitação, haja visto que a população do território havia saltado de 600 mil habitantes em 1945 para 3 milhões em 1960.

Apesar do que se pode imaginar, não houve exatamente um investimento direto da parte do governo no setor industrial ou comercial, pois todo o seu foco estava voltado em criar habitações e escolas para os imigrantes; entretanto como aponta Catherine Schenk em Economic History of Hong Kong, este foco acabou por mais tarde revelar-se uma espécie de “subsídio indireto” ao criar e sustentar uma rede infraestrutural de incentivos através de distritos industriais que permitiam aos operários das fábricas morarem perto de seus ambientes de trabalho e também ter perto de sua moradia escolas públicas básicas para seus filhos, o que permitiu a Hong Kong ter ainda no ano de 1966 cerca de 99,8% de suas crianças (em idade escolar) nas escolas primárias.

A forte “mão governamental” parou na questão social, e ao analisarmos as atividades do governo do período, notamos que para assuntos como finanças ou negócios internacionais reinou o laissez-faire, havendo pouco controle cambial e nenhuma limitação no fluxo internacional de capital.

Tais características de direção econômica listadas acima colocaram Hong Kong numa privilegiada posição no ranking de crescimento econômico. Sua diversificada cadeia de indústrias (lideradas pelo setor têxtil) crescia sem parar, permitindo a Hong Kong uma invejável média de 9,04% de crescimento do PIB entre os anos de 1962 e 1981, e uma média de 6,38% de crescimento do PIB per capita durante esses mesmos anos.

Fonte: Banco Mundial.
Fonte: Banco Mundial.

Infelizmente para o governo de Hong Kong, os anos 1980 trouxeram um choque econômico negativo para o território, pois deu-se início a política de reintegração de Hong Kong à República Popular da China, criando assim um fluxo migratório das empresas para o continente que contava com mão de obra mais abundante e barata, forçando assim o fim do período “milagroso” pelo qual a economia da região passava.

2. Taiwan

2. Taiwan antes do boom (1946-1950)

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as hostilidades entre o Governo Nacionalista Chinês (Kuomitang) e o PCC (Partido Comunista Chinês) revelaram-se mais problemáticas do que o imaginado, pois zonas de influência haviam sido estabelecidas e fixadas durante os anos da Invasão Japonesa (1937-1945), mesmo que sem conflitos diretos entre os chineses. Regiões como a Manchúria, por exemplo, estavam sob forte influência comunista, e Mao Tsé-Tung e nem Chiang Kai-shek pareciam dispostos a abrir mão de suas zonas de ocupação/influência.

O fracasso das negociações de paz levou à deflagração da guerra total em março de 1946, com o lado comunista liderado pelo PCC e o lado nacionalista liderado pelo Kuomitang. Infelizmente a situação de guerra total só encontraria seu fim em agosto de 1950, quando o governo nacionalista conseguiu findar sua operação de recuo para a Ilha de Formosa e estabelecer-se de fato na ilha.

2.1. Não há que ser forte, há que ser flexível (1951-1991)

Após o período de guerra total na década anterior, o governo da China Nacionalista pôde focar em seus problemas internos e governamentais, tais como a política monetária, distribuição de terras e fluxo migratório.

Ainda durante a década de 1950 Taiwan era totalmente dependente da ajuda americana. Isso permitiu ao país insular equilibrar reforma econômica com a manutenção de um grande exército. Nota-se que Taiwan, portanto, sempre precisou adaptar-se aos “problemas” internacionais que o cercavam. A flexibilidade e a resiliência mostraram ao país quais caminhos seguir.

Com o “legado” da Guerra Civil e a ajuda americana, ficaria claro para o Kuomitang que uma Reforma Agrária era necessária, uma vez que o campo estava em frangalhos e carente de infraestrutura devido ao período de ocupação japonesa. Esta Reforma teve como principais pontos:

  • Vender as terras públicas, a um preço acessível, para seus respectivos arrendatários;
  • Limitar o tamanho das propriedades individuais, evitando assim práticas latifundiárias;
  • Limitar a 37,5% da safra esperada da propriedade.

Para além da grandiosa Reforma Agrária, o governo taiwanês investiu na educação, na política de Substituição de Importação e no desenho de instituições para criar e estabelecer assim uma sociedade que tivesse uma boa rede de infraestrutura, que fosse rapidamente construída mas também sólida a longo prazo. Com isso, o crescimento econômico, e especialmente o crescimento industrial, começou a dar as caras na Ilha de Formosa. Logo Taiwan tornou-se famosa por sua ampla gama de produtos manufaturados e baratos.

O acelerado ritmo de crescimento econômico de Taiwan é geralmente atribuído à diminuição de terra per capita (urbanização), mudança no mercado de exportação (trocou-se o arroz pelo chip), mudança na política econômica (de Substituição de Importação para Plataforma de Exportação).

Crescimento em p.p. do PIB de Taiwan (1952-2001).
Fonte: Yuan Executivo.

Como visto no gráfico acima, o acelerado ritmo de crescimento de Taiwan mostrou que os caminhos e os esforços do povo deste país e seu governo deram resultado, demonstrando que mesmo com sucessivos choques e problemas internacionais, a flexibilidade pode também ser a chave para um estável crescimento econômico.

3. Singapura (1966-1990)

Singapura é um Estado relativamente novo no mapa-mundi, com sua total independência sendo alcançada apenas em 1965, com a “Proclamação de Singapura”. Uma espécie de acordo entre Malásia e Singapura que permitia que a cidade entrasse num regime de auto-governança e assim pudesse estabelecer seus próprios direitos, deveres e focos econômicos.

Entretanto, esta pequena cidade, que até então permanecia obscura aos olhos dos demais países, passaria a ser um dos maiores e mais importantes centros comerciais do mundo. Um fenômeno de destaque único, a Singapura moderna é uma cidade-estado insular, com poucos recursos naturais e uma população de pouco mais de 5,5 milhões de pessoas, com um dos PIB per capita mais elevados do planeta, possuindo um espantoso e consistente fluxo de crescimento deste dado, como vemos no gráfico abaixo.

PIB per capita de Singapura (1966-1996).
Fonte: Banco Mundial.

Indo totalmente na contramão do que as expectativas ditavam para a pequena aldeia de economia pesqueira, a cidade-estado de Singapura passou a atrair capital estrangeiro ao passo que investia pesadamente no setor de serviços bancários e financeiros, para assim ter uma fonte de renda que não dependesse de recursos naturais, uma vez que estes eram extremamente escassos. Nota-se também que apesar da pouca regulação no setor bancário e financeiro, o governo de Singapura adotou uma “política de estatais” nos setores considerados “estratégicos” e assim monopolizou o mercado de fornecimento de água, energia elétrica, gás e também os serviços de telecomunicações e manutenção portuária para assim fazer avançar na prática as demandas de moradia e serviços básicos da população antes acomodada em favelas e outros ambientes insalubres. 

A estratégia econômica do governo surpreendeu até mesmo os mais otimistas analistas e deu a Singapura um ritmo médio de crescimento do PIB de 9,06% entre os anos de 1966 e 1996, como vemos no gráfico abaixo:

Crescimento em p.p. do PIB de Singapura (1966-1996).
Fonte: Banco Mundial.

O compromisso com o livre comércio e o incentivo ativo à política de exportação nunca vacilaram durante a história de Singapura. Notamos assim que houve uma continuidade no trabalho iniciado na década de 1960, fazendo de Singapura um importante centro comercial e financeiro que até hoje se mantém no topo do mundo econômico.

4. Coreia do Sul e o Milagre do Rio Han

O Milagre do Rio Han é o nome dado ao período de forte crescimento econômico que a Coreia do Sul teve na década seguinte ao fim da Guerra das Coreias (1950-1953). Foi durante este período que a Coreia do Sul transicionou de um país agrário e pesqueiro para um país industrializado e desenvolvido.

A Coreia do Sul e seu respectivo milagre econômico são assuntos extensos e riquíssimos em conteúdo, uma vez que se trata de um país populoso, com uma trágica história e rica cultura. Por essas razões, optamos em fazer um recorte histórico que se inicia no ano de 1945, com o final da Segunda Guerra Mundial, e finda no ano de 1997, que é onde se deflagra a crise financeira asiática.

4.1. Contexto e antecedentes (1945-1953)

A Guerra das Coreias foi um conflito político-militar resultado de uma complicada relação entre União Soviética e Estados Unidos que aconteceu entre os anos 1950 e 1953; sendo que ainda hoje existe uma tensa disputa política entre Norte e Sul pautada na hipótese de unificação. 

Ainda no ano de 1945 e sob um contexto de Guerra Fria, a Coreia foi dividida em duas partes que tinham como referência o paralelo 38. Urge dizer ainda que a tal divisão fora feita de modo arbitrário, não consultando a população coreana sobre o futuro de seu próprio país, o que por sua vez acabou gerando descontentamentos coletivos que mais tarde aglutinaram-se em grupos revoltosos, tanto de esquerda quanto de direita.

Após sucessivos anos de greves e levantes contra os governos provisórios estabelecidos tanto por União Soviética quanto por Estados Unidos, finalmente em 1948 ambos se retiraram e permitiram finalmente que o povo coreano decidisse por conta própria o seu futuro.

Infelizmente a divisão arbitrária referenciada no paralelo 38 legou problemas que começaram a aparecer ainda durante as eleições das regiões coreanas (norte e sul), quando nenhum dos dois lados representantes abriu mão de sua influência e de seu poder, a notar Syngman Rhee representando forças do sul e Kim Il-sung representando as forças do norte.

Após sucessivos conflitos na fronteira entre o final de 1948 e junho de 1950, a guerra emerge “oficialmente” com a invasão norte-coreana que resultou em repetitivos recuos por parte do exército sul-coreano e de seu governo até que o apoio militar norte-americano chegasse in loco.

Os anos que se seguiram após a deflagração da Guerra da Coreia foram de dezenas de batalhas sangrentas e massacres que acabaram por minar o moral cívico e militar de ambos os lados, ao passo que nenhum dos dois lados conseguia sobrepujar o inimigo. Tal situação perdurou até o ano de 1953, quando o impasse tornou-se insustentável – mesmo para níveis de guerra – e forçou os políticos a usarem vias diplomáticas; chegou-se então a um armistício em julho de 1953, que estabeleceu um status quo ante bellum.

4.2. Um dragão se ergue de um pequeno riacho (1953-1997)

Os primeiros anos após o cessar-fogo foram extremamente instáveis para a Coreia do Sul, uma vez que o armistício não foi seguido de um Tratado de Paz oficial e, portanto muitas tensões políticas e sociais permaneceram como assunto comum no país. Durante duros sete anos (1953-1960) o governo sul-coreano patinou nos assuntos nacionais, como economia, estabilização e união.

Os caminhos da instabilidade generalizada tiveram como destino o Golpe Militar de 1961, liderado por Park Chung-hee. Foi durante o governo de Park Chung-hee que a Coreia do Sul conheceu a estabilização forçada e também o primeiro “Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico e Social”, que lançou as sementes do desenvolvimento sul-coreano quando privilegiou o investimento estatal nas infraestruturas básicas (ferrovias, portos e estradas) e indústrias de base (aço, carvão e cimento). Também foi nessa época que a Coreia do Sul começou a abrir possibilidade de diálogo com potências estrangeiras, como Japão e Estados Unidos e assim permitir que capital privado e ajuda financeira adentrassem o país e assim permitissem um aumento exponencial na capacidade de investimento por parte do governo nas áreas mais necessitadas do país. Tal plano permitiu que a Coreia do Sul experimentasse um rápido e forte crescimento econômico, como vemos no gráfico abaixo:

Crescimento em p.p. do PIB da Coreia do Sul (1961-1972)
Fonte: Banco Mundial.

Infelizmente nem tudo são flores, e mesmo o crescimento acelerado do PIB coreano e o crescimento econômico do país teve seu lado negativo: a inflação. A alta taxa de crescimento sul-coreana, incentivada primeiramente por um governo interventor, revelou problemas estruturais dentro da sociedade sul-coreana, como a disparidade de poder entre setores industriais, o aumento desenfreado da dívida externa e ainda a desigualdade entre a população urbana e a população do campo. Tais questões serviram de catalisadores para um aumento expressivo dos índices inflacionários sul-coreanos, como vemos no gráfico abaixo:

Taxa de inflação da Coreia do Sul (1961-1982).
Fonte: Banco Mundial.

Como a inflação tornou-se um fator preocupante, ao afetar as taxas de crescimento, o governo sul-coreano teve de adotar medidas de austeridade e ajustes via um programa de estabilização nacional que visava, primordialmente, a contenção da inflação e posteriormente a correção de problemas estruturais socioeconômicos que haviam sido agravados pelo recente assassinado do então presidente Park Chung-hee em outubro de 1979. Assim, ao chegar nos primeiros anos da década de 1980, o governo sul-coreano deu início ao seu programa econômico, passando a realocar os subsídios e empréstimos de empresas (quase sempre de caráter político) para políticas sociais e de bem-estar. Isso permitiu que a Coreia do Sul atendesse de forma mais organizada as demandas sociais, investisse em suas “forças endógenas” e assim garantisse um crescimento estável, prolongado e seguro nas décadas seguintes.

A partir da década de 1980, a Coreia do Sul passou por reestruturações de mercado e sociais que permitiram ao país ostentar uma taxa de crescimento anual do PIB de 8,64% em média, como vemos no gráfico abaixo:

Crescimento em pp. do PIB da Coreia do Sul (1979-1997).
Fonte: Banco Mundial.

5. Conclusão

Como foi analisado durante o artigo, o Fenômeno dos Tigres Asiáticos nos mostra que é possível crescer economicamente de forma sustentável e reestruturar um país, ainda que este esteja em situações catastróficas. Atualmente o modelo de crescimento dos “Quatro Tigres Originais” vem sendo emulado por muitos outros países em desenvolvimento, inclusive asiáticos, o que nos mostra a importância de se estudar sobre o fenômeno e suas consequências.

Leituras adicionais

Artigo sobre a história econômica moderna de Hong Kong
Artigo sobre o crescimento econômico de Singapura e seus possíveis desafios futuros
Artigo sobre a história econômica de Taiwan
Artigo sobre o Milagre Coreano e suas implicações imediatas
Livro sobre a Guerra da Coreia

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