Top 10 maiores milagres econômicos da história: 3 – O Milagre Econômico Japonês

Veja aqui a série completa.

1 – Contexto e antecedentes

O Milagre Econômico Japonês, conhecido no Japão por Kōdo keizai seichō, comumente refere-se ao período entre o fim da Segunda Guerra e fim da Guerra Fria no qual o Japão teve um elevado e constante índice de crescimento econômico.

Entretanto, para compreendermos além do superficial o que foi esse milagre, é preciso analisarmos com cuidado seu processo de germinação, e por isso o dividiremos em duas subseções, sendo elas a “Segunda Guerra Mundial”, onde trataremos dos aspectos históricos relacionados ao Japão durante essa guerra, e a “Ocupação Americana”, onde trataremos das questões institucionais de ocupação americana sobre o Japão e suas consequências.

1.1 – Segunda Guerra Mundial (1937-1945)

Inicialmente, antes de se envolver diretamente em conflitos contra Potências Ocidentais, o Japão esteve envolvido numa guerra contra a China, a chamada Segunda Guerra Sino-Japonesa. Esta guerra foi essencialmente travada devido à forte ideia de necessidade de expansão do Nacionalismo Showa, que via na China um largo território a ser explorado e uma forma também de demonstrar força no cenário político global.

Apesar do sucesso inicial da invasão de Grande Escala (1937), o Japão, durante os anos subsequentes, passou a ter dificuldades de administrar a logística da invasão sobre um país tão extenso e populoso como a China e por isso passou a criar governos fantoches para manter sua dominação minimamente estável. Com isso, o Japão poderia mirar seus próximos alvos sem ter de se preocupar em administrar diretamente seus territórios ocupados.

Depois de muita tensão entre o Japão e as potências ocidentais e a necessidade de manter os custos da guerra, o Japão voltou-se para o Sudeste Asiático (Tailândia, Filipinas, Indochina, etc.) e para os Aliados presentes no Pacífico (Austrália, Reino Unido, EUA e Países Baixos) lançando ataques navais e terrestres entre os anos de 1940 e 1941.

Malgrado os excelentes índices produtivos da indústria pesada que o Japão havia acumulado entre os anos de 1930 e 1940, estes não foram o suficiente para sustentar esta “guerra longa” que viria mais tarde a ser conhecida como “Guerra do Pacífico”. Fato é que, com o acúmulo de evidências que temos atualmente, é possível inferir que o Japão não tinha a intenção ou mesmo a capacidade de prolongar a guerra. O plano original visava um rápido assalto de aquisição de matérias-primas estratégicas (petróleo, borracha e ferro) a fim de desnortear os Aliados para que a Alemanha ganhasse tempo e respiro para enfim poder vencer a guerra na Europa, forçando-os a aceitar os termos do Eixo.

O insucesso da já comentada estratégia japonesa e o desastre da Batalha de Midway fez com o Japão, em 1942, transformasse sua economia mista em uma Economia de Guerra e seu sistema político parlamentarista em uma ditadura controlada por Hideki Tojo.

Nos anos seguintes a 1942 sucedeu-se uma queda geral de produção nos setores básicos da economia japonesa, geradas principalmente pela escassez de trabalhadores qualificados disponíveis e pelos diversos bloqueios navais perpetrados pelos Aliados. A seguir estão algumas tabelas para termos uma breve dimensão desta queda produtiva:

Capacidade produtiva de aço no Japão entre 1937 e 1945. Fonte: Tekko Tosei Kai.
Situação petroleira japonesa entre os anos de 1937 e 1945. Fonte: Ministério do Armamento Japonês.

Como demonstrado nas tabelas, ao final da guerra o Japão encontrava-se numa situação catastrófica em termos socioeconômicos. Devido à péssima condição do país, nasceu um temor referente à possibilidade do nascimento de um revanchismo nacionalista do derrotado Japão para com os vitoriosos Aliados. À vista disso, foi criada a ideia de “ocupação pós-Guerra”, encabeçada pelos Estados Unidos para fins de reconstrução e apaziguamento nacional nos anos subsequentes ao final da guerra.

1.2 – Ocupação Americana (1945-1952)

A Ocupação Americana sobre o Japão iniciou-se imediatamente após o final da Segunda Guerra Mundial, quando os japoneses formalmente aceitaram os termos da Declaração de Potsdam em 2 de setembro de 1945. Tal ocupação foi liderada pelo General Douglas MacArthur e ainda hoje é considerada a primeira e única vez que o Japão teve seu território oficialmente ocupado por alguma nação estrangeira ao arquipélago japonês.

No segundo ano da ocupação (1946), o foco permaneceu na criação de uma rede eficiente de distribuição de alimentos e suprimentos básicos, uma vez que os bombardeios haviam destruídos pontos vitais da infraestrutura das capitais japonesas e o Japão estava recebendo uma massiva quantidade de repatriados (cerca de 5,1 milhões de japoneses desembarcaram no arquipélago nos primeiros quinze meses de ocupação americana).

Após suprir minimamente as necessidades alimentícias e de bem-estar do povo japonês, as Forças Armadas Americanas trataram de partir para as reformas administrativas e políticas, suprimindo assim a possibilidade de um revanchismo e semeando as bases do Milagre Econômico Japonês.

Dentre as várias reformas lançadas pelo Governo de Ocupação Americana, as principais foram:

  • Emancipação feminina: após o final da Segunda Guerra, MacArthur e seu entorno passaram a requisitar maior participação feminina na vida política, reforçando assim a ideia de um Japão democrático construído sob a imagem dos Estados Unidos. Essa reforma permitiu que o Japão diminuísse, mesmo que minimamente, a desigualdade política de gênero.
  • Declaração de humanidade: no dia 1 de janeiro de 1946, o Imperador Hirohito admitiu ser um homem e não uma encarnação divina, abrindo então caminho para o Japão criar uma nova Constituição pautada em direitos e valores humanos, transformando-se numa monarquia parlamentarista.
  • Nova Constituição Japonesa: em maio de 1947 foi apresentada a nova Constituição do Japão, elaborada sob forte influência americana. A nova Carta Magna Japonesa era revolucionária, pois transmitia a soberania nacional do Imperador para o povo, concedia direitos às mulheres e garantia de forma oficial os Direitos Humanos.
  • Reforma educacional: de 1945 a 1952 o governo japonês, junto do Governo de Ocupação Americano, esforçou-se para reformar o defasado e confuso sistema de ensino nacional. Os principais pontos dessa reforma foram a unificação dos vários sistemas de ensino que variavam conforme com a localidade, criação de escola de mistas para homens e mulheres, aumento do número de anos escolares e obrigatoriedade do ensino médio, e mudanças na filosofia de ensino, rumando para uma educação liberal e democrática.

Com a emergência da Guerra Fria (1947-1991), o Japão tornou-se um importante baluarte democrático no Extremo Oriente, forçando os EUA a mudarem sua estratégia de auxílio ao país, priorizando o âmbito econômico. Para comandar esta nova estratégia, as forças de Ocupação convocaram Joseph Dodge (banqueiro com experiência em Planos de Reconstrução), que por sua vez criou o Plano Dodge. Voltado para o controle inflacionário, o plano se constituía basicamente de um rigoroso controle fiscal e de medidas monetárias contracionistas, eis as bases do plano:

  • Arrecadação mais eficiente dos impostos;
  • Equilíbrio orçamentário a fim de reduzir emissão de moeda;
  • Diminuir o poder de intervenção governamental na economia;
  • Taxa de câmbio fixa.

Estas políticas macroeconômicas, a longo prazo, deram ao Japão uma posição ascendente no mercado global, além de controlar a inflação galopante, como vê-se no gráfico abaixo:

Taxa de inflação no Japão (1944-1951). Fonte: Agência de Gestão e Coordenação do Japão.

Controlada a inflação e estabilizada a política japonesa, MacArthur passou a desenhar a desocupação do Japão, oficializando-a com o Tratado de São Francisco, que entrou em vigor no dia 28 de abril de 1952 e permitiu ao Japão trilhar seu próprio caminho e exercer seus direitos de Estado independente. Assim começa o Milagre Econômico Japonês.

2 – O Milagre Japonês (1952-1990)

Embora pareça difícil imaginar que um país possa se reerguer e crescer de maneira sustentável depois de duas bombas atômicas e cerca de 2,1 milhões de mortos, isto foi exatamente o que o Japão fez durante após a Segunda Guerra Mundial. Conforme apresentado na tabela abaixo, o Japão manteve uma taxa de crescimento real do PIB elevada durante o período.

Taxa de crescimento do PIB japonês (à esquerda) e índice inflacionário japonês (à direita). Fonte: (2002) Rapid Growth, 1952-1974, Japanese Economy.

Os principais fatores que permitiram tal crescimento foram:

  • Transformação tecnológica: com uma depreciação geral da sua capacidade industrial, o governo japonês passou a incentivar empresas que tivessem foco na renovação de seus parques industriais. Este incentivo era feito via amortização de dívidas e empréstimo a juro baixo, permitindo assim que as empresas renovassem, mediante importações, rapidamente todas as suas instalações e dessem ao Japão um aumento de produtividade.
  • Acúmulo de capital: com a intenção de transformar rapidamente o país, os japoneses investiram na indústria manufatureira, para assim terem um retorno mais rápido e poderem reinvestir em suas próprias indústrias nacionais. Isto resultou num aumento exponencial da produtividade, que beneficiou a economia japonesa de forma geral.
  • Foco no comércio internacional: Por meio de deduções fiscais para empresas que atuavam no mercado internacional, o governo japonês deu a vantagem competitiva que faltava aos seus empresários, dando a eles a capacidade de vender seu produto mais barato. Houve também a permissão de fusão entre empresas (Keiretsu), o que deu aos grandes empresários japoneses a possibilidade de redirecionar seu capital de forma acelerada e organizada, criando um Japão versátil que rapidamente podia renovar seus produtos de exportação e assim manter-se à frente de seus concorrentes.
  • Aumento de produtividade do trabalhador japonês: a quantidade da mão de obra japonesa era imensa, pois com o final da guerra muitos militares conscritos devido à Guerra Total voltaram para o mercado de trabalho civil, o que deu ao Japão, durante a década de 1950 e 1960, a possibilidade de um aumento de produtividade que fosse maior ou igual ao aumento de salário do trabalhador japonês, dando uma folgada sobra de capital para reinvestimento nas empresas.

3 – Conclusão

O fim do Milagre Econômico Japonês coincidiu com o estouro da bolha financeira japonesa e a Guerra Fria, ambos em 1991, que por sua vez geraram um período de estagnação no Japão, popularmente conhecido como “A Década Perdida”. Durante o transcorrer deste período de estagnação, o povo japonês viu a China, um rival histórico, crescer e tomar seu lugar de segunda maior economia do globo.

Fontes e leituras adicionais

Artigo sobre o desempenho econômico do Japão durante a Guerra do Pacífico.
Livro basilar sobre a reconstrução e ocupação japonesa no pós-Guerra.
Artigo que analisa o surgimento do direito de sufrágio feminino no Japão.
Artigo sobre a humanidade declarada de Hirohito.
Constituição Japonesa na íntegra.
Artigo sobre a reforma educacional japonesa e suas implicações.
Historical Statistics of Japan.
Artigo sobre a estrutura do Keiretsu.
Artigo sobre o milagre econômico japonês e suas lições.
Artigo sobre o rápido crescimento japonês no pós-guerra até o choque do Petróleo em 1973.

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