Um fracasso econômico chamado Brasil Império

I — Introdução

O Brasil Império foi um fracasso em todas as dimensões possíveis, exceto nas expressões artísticas e culturais. Nesse texto, resolvi escrever sobre um dos fracassos do período do Brasil Império: a economia. Para ser mais preciso: meu objetivo é visualizar o fracasso do Produto Interno Bruto per capita do Brasil Império.

A seguir busco fazer um rápido passeio pelo panorama econômico do Brasil Império. Os dados utilizados na confecção dos gráficos, tabelas e na análise em geral estão armazenados no banco de dados do IPEA, no Project Maddison Data Base, The Trans-Atlantic Slave Trade Database e no Recenseamento de 1872.

II — Contexto histórico: síntese de algumas características macroeconômicas do Brasil Império

A dinâmica macroeconômica do Brasil Império (da independência, em 1822, até a proclamação da República, em 1889) foi delimitada por dois quesitos fundamentais: em primeiro, o fator trabalho empregado na produção sendo composto na sua quase totalidade pela mão de obra escrava (a qual foi substituída paulatinamente pela mão de obra imigrante e por ex-escravos); e, em segundo, pela importância das exportações em sua dinâmica primário-exportadora [1]. Tal dinâmica exportadora era composta basicamente pelas exportações de café, açúcar, algodão, couro e, já no final do período imperial, pela exportação de borracha. O primeiro item, o café, em meados de 1889, chegou a representar 61,5% das exportações do Brasil Império; enquanto, em segundo lugar, as exportações de açúcar representavam 9,9% das exportações (Abreu, 2014, p. 16–17).

Na tabela abaixo podemos visualizar a composição dos principais produtos das exportações no período imperial:

Com a Lei de 1831, Lei Feijó, o início do deslocamento para instituições inclusivas e equânimes perante a lei não passou de diplomacia para com a Inglaterra. O esfacelamento do tráfico de escravos de fato ganhou intensidade com a Lei Eusébio de Queiroz. Isso deu início, de forma gradual e ponderada, após muitas intempéries políticas e sociais, a uma tardia mudança institucional e das relações de produção [2], rumo ao “provinciano encontro tardio com o progresso’’ (Drescher, 1995, p. 116), que acarretou, em 1888, com a Lei Áurea, na abolição da escravidão.

Enquanto no cenário político se desenhavam possibilidades de mudanças nas instituições formais, isto é, mudanças nas regras do jogos, configurando leis e legislações com novos incentivos, a produção e consequentemente a pauta exportadora passava por modificações efetivas [3]. O café, de 1830–1850, cuja produção era dinamizada pela região Sudeste, se consolidou como o principal produto exportado. Na contramão disso, o açúcar, que chegou a ser o produto mais exportado em 1820, compondo 30,1% das exportações brasileiras, sofreu uma queda acentuada de 1830 até 1850 e perdeu a dianteira como produto exportado — essa commodity era produzida, maciçamente, na região Nordeste [4]. Com essa dinâmica, a região Sudeste, em média, era a maior importadora de mão de obra escrava e a região Nordeste ocupava o segundo lugar (dados disponíveis em The Trans-Atlantic Slave Trade Database aqui).

Em outras palavras: da independência até a extinção do tráfico de escravos com a Lei Eusébio de Queiroz, em meados de 1850, o período foi marcado por um ritmo lento de expansão da pauta de exportações comparado com a segunda metade do século XIX, com a perda acentuada da participação do açúcar nas exportações e marcado pela ascensão do café como principal item de exportação.

Para quem quiser verificar as série históricas (desde a época imperial até o século XXI) para cada item da composição das exportações, recomendo fortemente os dados armazenados no banco do IPEA, aqui. Para visualizar a ascensão do café, após importar o arquivo ipeadata[15–11–2020–01–33], pode-se limpar, filtrar e organizar os dados e, por fim, plotar um gráfico de série histórica representando as exportações de café (em sacas de 60Kg). Segue o gráfico:

Terminamos essa primeira parte com uma imagem sintética do Brasil Império. Um país do século XIX dependente de suas instituições extrativistas da escravidão, sofrendo pressão externa por isso e, por fim, dependente da sua relação primário-exportadora. Não obstante, alcançando o posto de maior player na exportação de café do globo. É uma imagem sintética, pois captura apenas os pilares fundamentais da economia do Brasil Império – pilares esses construídos com base em um população com mais de 80% de analfabetos e com mais de 1,5 milhões de escravos (Recenseamento 1872).

III — E o Produto Interno?

O Brasil, em meados do século XIX, trilhava um caminho diametralmente oposto dos países que compunham o rol da Segunda Revolução Industrial e, até mesmo, da Primeira. Apesar de ter, como já mencionado, alcançado o posto de maior player na exportação de café, estava longe economicamente de seus concorrentes: tanto em fator capital (mantendo baixa tecnologia) quanto em fator trabalho (com baixo capital humano, isto é, baixa qualificação da mão de obra, com mais de 80% de analfabetos). É impossível escrever sobre o fator trabalho no período imperial e não mencionar que além do baixo capital humano, com o interrompimento do tráfico escravo, o Brasil passou novamente por escassez de mão de obra. Dessa forma, o preço do escravo aumentou (ver Lago, 2014). Isso ocorreu até o mercado de trabalho se reajustar com a importação de mão de obra e imigrantes e com outros fatores.

O leitor que está acostumado a pensar economicamente dentro de funções de produção, consegue no mínimo deduzir que com baixa tecnologia ligada ao capital, com baixo capital humano da mão de obra e com instituições extrativistas o resultado mais provável seria uma baixa produtividade, ou no mínimo um baixo produto interno. Com o monumental trabalho do Project Maddison Database conseguimos extrair que o crescimento estimado para o período imperial ficou entre 0,3%-0,4%; com um PIB per capita não ultrapassando a casa dos US$ 1.000 (em dólares de 2011, preço constante). Resultado esperado, dado o contexto exposto anteriormente.

Dito isso, à guisa de conclusão, vou importar os dados do Project Maddison Database para visualizar o comportamento do desempenho econômico do Brasil e fazer algumas comparações. As comparações serão feitas com base nos países que se têm dados disponíveis. A seguir, pode-se observar o desempenho do PIB per capita (US$ 2011) em comparação com o Chile e Venezuela.

Abaixo vou adicionar o Reino Unido e fazer um boxplot para podermos visualizar algumas das métricas de estatística descritiva.

Como pode ser visto nos gráficos acima, o desempenho econômico do Brasil no período imperial foi pífio.

Notas

[1] Sobre a escravidão, ver Costa (2008) e Lago (2014). Sobre a economia primário-exportadora, ver Abreu (2014, 1º capítulo) e Furtado (2007).

[2] Para uma discussão mais abrangente sobre os desdobramentos políticos e sociais até a abolição, ver Costa (2008).

[3] Como ressalta North (2010, p. 15): “Instituições formam a estrutura de incentivos de uma sociedade, e as instituições políticas e econômicas, em consequência, são os determinantes subjacentes do desempenho econômico”. Sobre instituições, ver North (2010, 1994, 1990).

[4] Pernambuco e Bahia serão utilizadas ao longo do artigo como proxy para a região Nordeste.

Referência Bibliográfica

ABREU, M. de P. A (Org). Ordem do progresso: dois séculos de política econômica no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

COSTA, E. V. da. A abolição. São Paulo: editora UNESP, 2008.

DRESCHER, S. A abolição brasileira em perspectiva comparativa. História Social, n. 2, p. 115–162, 1995).

FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

LAGO, L. A. C. do. Da escravidão ao trabalho livre, 1550–1900. São Paulo: Cia das Letras, 2014.

NORTH, D. Custos de Transação, Instituições e Desempenho Econômico. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1994.

______. Desempenho econômico através do tempo. Revista de Direito Administrativo, v. 255, p. 13–30, set./dez. 2010.

______. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.

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Publicado originalmente aqui.

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