Analisando o movimento do Altruísmo Eficaz com elementos da economia

Altruísmo Eficaz é o nome dado ao movimento que busca fazer ações que melhorem o mundo, sobretudo na forma de doações monetárias, da forma mais eficiente possível. Para isso, usa-se uma metodologia rigorosa e científica (por exemplo, calcula-se o quanto uma intervenção é boa estipulando o número de anos de vida saudável que uma pessoa terá com a intervenção — em inglês, DALY (disability adjusted life year)). Através dessa metodologia, tenta-se procurar quais são as organizações que investem o dinheiro arrecadado da forma que gere o maior benefício possível para o maior número possível de pessoas.

Para organizar quais são as melhores ações possíveis, às vezes separa-se o problema que se quer resolver — seja a fome no mundo, problemas relacionados à biotecnologia ou qualquer coisa que seja — em três categorias:

1. Escala

Quanto mais pessoas são ajudadas, sejam elas já nascidas ou ainda não, melhor é a ação. Tudo o mais constante (dinheiro e esforço gasto, dificuldade de se resolver o problema, etc.), nós queremos investir naquelas ações que gerem o maior benefício para o maior número possível de pessoas (ou outros seres conscientes). Essa é a questão da escala do problema.

2. Tratabilidade

Dados dois problemas que possuem a mesma escala, em qual deles se deve focar mais? No mais fácil de resolver ou no mais difícil? A resposta, obviamente, é no mais fácil. Tudo o mais constante, nós queremos investir naquelas ações que são mais fáceis de serem tratadas. Essa é a questão da tratabilidade do problema.

3. Negligência

O problema das mudanças climáticas é urgente, possui uma enorme escala e uma razoável tratabilidade, mas tem tanta gente trabalhando para resolvê-lo que uma pessoa a mais ou a menos faria pouca diferença. Já outros problemas, como por exemplo o problema de como lidar com uma possível futura inteligência artificial geral, têm tanta escala e são tão tratáveis quanto, mas são tão negligenciados que uma pessoa a mais trabalhando para resolver o problema pode fazer muita diferença. Tudo o mais constante, nós queremos investir naquelas ações mais negligenciadas pelas pessoas.

Colocando esses 3 elementos em uma só equação

Segue abaixo uma equação presente no livro “The Effective Altruism Handbook“.

\overbrace{\dfrac{dU}{dW}}^\text{Valor mg. do trabalho} = \underbrace{\dfrac{dU}{\%dS}}_\text{Escala} \times \underbrace{\dfrac{\%dS}{\%dW}}_\text{Tratabilidade} \times \underbrace{\dfrac{\%dW}{dW}}_\text{Negligência}

Onde:
U = valor produzido
W = trabalho total colocado no problema
S = proporção do problema resolvido
%dX = dX/X

Vamos tentar entender cada elemento dessa equação. O primeiro elemento do lado direito da equação é dU/%dS, que eu coloquei como se referindo à escala do problema. Vejamos se isso faz sentido. Como U é o valor produzido, dU é o valor marginal produzido. Como S é a proporção do problema resolvido, %dS é um percentual muito pequeno do problema resolvido. Fazendo a divisão dU/%dS, nós temos então o valor que você adiciona resolvendo, vamos dizer, 1% a mais do problema – ou, se você prefere, uma quantidade muito menor que isso, como 0,0001% (1% é só para ilustrar). Temos então o valor adicionado para cada quantidade minúscula do problema resolvido. Podemos chamar muito bem isso de escala. Ora, quanto maior o valor adicionado para cada quantidade minúscula do problema resolvido, maior tende a ser o número de pessoas que são ajudadas (ou a magnitude na qual elas são ajudadas), que é a própria definição de escala.

Seguindo adiante, eu chamei %dS/%dW de tratabilidade do problema. Esse termo se refere à proporção do problema que é resolvida dado um aumento proporcional na quantidade de trabalho sendo feito. Ora, é mais do que justo chamar isso de tratabilidade. Quanto maior %dS para um dado %dW, ou seja, quanto mais do problema é resolvido para uma dada proporção de trabalho colocada no problema, mais fácil o problema é de ser tratado. Aqueles familiarizados com o conceito de elasticidade (geralmente economistas) podem perceber que esse termo se trata de uma elasticidade: ele não é nada mais que a elasticidade do progresso do problema em relação ao trabalho.

Por fim, o último termo do lado direito da equação, %dW/dW, é a negligência do problema. Dado que %dX = dX/X, então %dW/dW = 1/W. Dado que W é o trabalho total colocado no problema, não há nada mais natural do que chamar 1/W de negligência do problema, pois quanto maior W, menor é 1/W (ou seja, quanto mais trabalho é colocado no problema, menos o problema é negligenciado, e vice-versa). Voltando para o meu exemplo anterior, as mudanças climáticas têm um W muito grande, portanto uma negligência muito pequena; já os problemas relacionados à inteligência artificial têm um W muito pequeno, portanto uma negligência muito grande.

Cancelando os termos, a magia acontece, e os três termos aparentemente complicados do lado direito se transformam no simples termo do lado esquerdo. dU/dW é o valor marginal obtido com um trabalho marginal sendo feito, ou seja, o valor marginal do trabalho. Nós queremos obter o máximo de valor possível com o mínimo de trabalho possível, ou seja, aplicar a famosa lei do menor esforço. Então quanto maior dU/dW de uma ação, mais nós devemos fazer essa ação. Para o movimento do Altruísmo Eficaz, as ações que devem ser feitas são aquelas que apresentam o maior dU/dW, isto é, o maior valor marginal do trabalho.

Talvez num outro mundo nós pudéssemos quantificar U, W e S, de modo a ter um detalhamento matemático preciso de quais são as ações que nós devemos fazer. Infelizmente, nesse nosso mundo, U não é mensurável de forma direta, pois o valor é subjetivo (mas podemos obter proxies de U, como os DALYs ditos no início do texto), ao passo que W e S são muito difíceis de mensurar.

Então, alguém poderia perguntar, para que se dar ao trabalho de construir essa equação, se ela não é aplicável no mundo real? Bom, porque se quisermos fazer com que o movimento do Altruísmo Eficaz avance, precisamos ter um entendimento cristalino de todas as suas nuances. Essa equação vem a ajudar muito o movimento, pois dá uma precisão analítica formidável a conceitos dúbios, como escala, tratabilidade e negligência. Agora já sabemos, com um certo grau de intuição matemática, do que estamos falando quando colocamos na mesa esses três termos.

Não pare por aqui

Isso aqui é apenas uma pincelada. Fiz esse texto principalmente para apresentar aos seguidores do nosso site o movimento do Altruísmo Eficaz, que é um movimento que eu pessoalmente apoio. Então, se você não sabia da existência desse movimento, não pare nesse texto: continue aprendendo sobre ele, garanto que você vai curtir muito.

Abaixo seguem algumas sugestões para você se aprofundar um pouco mais sobre o Altruísmo Eficaz:

  • Vídeo (em inglês) sobre como olhar a caridade com uma abordagem científica, do ótimo canal Looking Glass Universe.
  • Introdução ao Altruísmo Eficaz (em inglês).
  • The Effective Altruism Handbook.
  • Lista das organizações altruístas mais impactantes, segundo a Give Well.
  • Lista dos problemas globais mais urgentes, filtrados pela abordagem do Altruísmo Eficaz. Aqui em inglês e aqui em português.
  • Guia para você seguir uma carreira que promova o Altruísmo Eficaz. Aqui em inglês e aqui em português.
  • Doebem, site brasileiro que permite a você doar para algumas das organizações mais eficazes do mundo, conforme avaliação da GiveWell.

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