Auxílio Brasil e inflação — Análise de um choque de gasto em modelo macro estrutural

Estamos discutindo hoje qual o impacto do Auxílio Brasil de R$400 na inflação do ano que vem. Porém o debate no jornal é pouco rigoroso. Tem muita gente boa dizendo que o gasto será inflação na veia a ponto de acabar sendo pior em termos líquidos para os beneficiários.

Vamos, no entanto, pensar no significado dessa política em termos de equilíbrio geral. O governo gastar mais do que o esperado em 2022 vai afetar várias coisas: demanda, inflação, dívida, percepção de risco (logo, taxa de câmbio) e, claro, política monetária. O tamanho do estímulo adicional poderia chegar a cerca de 0.6% do PIB. É com esse número que pretendo trabalhar.

Para computar melhor o impacto de todos esses efeitos simultâneos na inflação, vou usar um modelo estrutural que permite que todas essas variáveis se movam de forma dinâmica ao longo do tempo e assim medir o efeito líquido na inflação. Porém, existe um efeito qualitativo adicional sobre o risco oriundo da flexibilização do Teto de Gastos. Qual a magnitude dessa flexibilização sobre o câmbio? Não sabemos, então vamos admitir cenários para o dólar do ano que vem.

No cenário base tenho um dólar flat, R$5,70 em termos reais até o fim de 2022. No cenário pessimista, um câmbio mais depreciado, chegando a R$6,30 no terceiro trimestre de 2022. No cenário otimista, não imagino efeito qualitativo nenhum no câmbio, facilitando o entendimento sobre como ele afeta a inflação no curto prazo. Nesse cenário, o real vai lentamente valorizando para seu “valor de equilíbrio” e fecha o ano próximo de R$5,20.

O gráfico acima ilustra os impactos na inflação a partir do meu modelo calibrado para o Brasil, comparados com um contrafactual onde não haveria governo aumentando gasto ano que vem. Em todos eles, admito uma ação correspondente da política monetária livremente dada pela resposta do modelo. No cenário base, o Banco Central eleva a Selic a 9,50% para combater a inflação, no pior cenário (com câmbio depreciando mais), a Selic vai a 9,75%. Sem choque qualitativo no câmbio ficamos com Selic em 9,25%.

Para concluir com o resultado visto no gráfico, quase todo o efeito do estímulo de 0,6% do PIB ano que vem significa pouquíssimo para a inflação, ao menos naquilo que tange ao estímulo sobre a demanda e assumindo que o programa custe os R$50 bilhões previstos. Tudo depende muito mais de para onde a percepção de risco levará a taxa de câmbio e por quanto tempo esse efeito duraria.

O modelo

O modelo segue o sistema de equações abaixo:

Figura 1.

Os parâmetros do modelo são calibrados conforme os seguintes valores, de maneira a atingir os equilíbrios de longo prazo da figura 3..

Figura 2.
Figura 3.

Conforme a figura 4, abaixo, o processo de solução do modelo usa álgebra linear simples, onde os parâmetros calibrados são guardados nas matrizes F, G, H, M e resolvidos para chegar nas matrizes P e Q. Os choques, guardados na matriz Z, assumem processos autorregressivos AR(1).

Caso não tenha gostado da especificação, calibragem ou do resultado do modelo, fique à vontade para acessá-lo no meu Google Drive e dar a esta análise a sua própria assinatura.

.

Publicado orinalmente aqui.

Leia também:
Seria a inflação no Brasil uma barbeiragem de política monetária?
Macroeconomia e expectativas – o porquê, o para quê e o como
Seriam as expectativas de inflação do mercado racionais?
A solvência da dívida pública no Brasil – Por que o ajuste fiscal é necessário?

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não ficará público