A inovação tem externalidades positivas. Uma nova invenção, por mais que seja bem protegida por patentes, quase sempre motiva o surgimento de invenções similares ou aprimoramentos, e isso representa ganhos para terceiros não envolvidos inicialmente na primeira invenção. Além disso, existem várias inovações que dizem respeito a processos e formas de organização industrial que simplesmente não podem ser patenteadas. Neste caso, o retorno privado do investimento em pesquisa e desenvolvimento tende a ser menor que o retorno social. O resto da sociedade ganha mais do que o inventor. Existem inclusive estimativas econométricas do quando o retorno social do gasto com inovação excede o privado em várias economias, e a literatura mais atual aponta para algo em torno de 30% em média.
A existência deste descompasso, em que o retorno social excede o privado, tende a gerar uma falha de mercado caracterizada pela sub-alocação. Por não ser possível capturar 100% dos benefícios da própria inovação, os agentes no mercado acabam investindo menos em P&D do que investiriam em uma situação hipotética ideal, onde os direitos de propriedade são perfeitamente bem definidos, inclusive os de propriedade intelectual e seus respectivos ganhos indiretos, e, portanto, onde os retornos privados se igualassem aos sociais, e falhas de mercado não existissem.
Neste caso, existe um ganho possível e não desprezível de bem-estar no longo prazo ao se usar o estado para subsidiar pesquisa, e é exatamente este o tipo de política industrial que os países ricos fazem. Basicamente, financiar bons institutos de pesquisa, públicos e privados, financiar pesquisas em universidades, subvencionar pesquisa dentro das empresas e assim por diante. É o chamado Sistema Nacional de Inovação. Todos os países relevantes tem alguma coisa do tipo, e a estrutura deste sistema costuma estar em constante análise e aprimoramento. É óbvio que esta intervenção não é perfeita, e vários problemas (falhas de governo) ocorrem, mas o fundamento microeconômico a favor é forte, e o custo-benefício aparentemente tem se mostrado positivo.
Muita gente usa este tipo de intervenção feita nos países ricos para justificar medidas desenvolvimentistas no Brasil, o que é uma estupidez sem tamanho. Não tem absolutamente nada a ver uma coisa com a outra. Enquanto a inovação exibe um fundamento microeconômico forte que justifica a intervenção, não há qualquer fundamento que demonstre ser positivo, por exemplo, proteger e estimular setores escolhidos a dedo, adotar barreiras de proteção comercial ou regulações anticompetitivas. Ao ficar na caricatura de “mais estado” versus “menos estado”, parte da heterodoxia brasileira não se dá conta de que existe uma diferença enorme entre encher o bolso do Eike Batista de crédito subsidiado e financiar bons pesquisadores na Embrapa.
Por ser extremamente ignorante acerca da literatura lá fora, parte dessa heterodoxia continua usando a intervenção sofisticada que os países ricos fazem em seus sistemas de inovação como exemplo para defender o disparate dirigista que eles defendem aqui; como se uma Alemanha que financia pesquisa em boas universidades fosse análoga a um Brasil que adota uma série de medidas de proteção e estímulos à produção interna. Esta última estratégia, curiosamente, é exatamente a mesma que a gente adotava lá décadas de 50, 60 e 70, sem muito sucesso.
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