Capital humano e desenvolvimento: uma provável relação de precedência temporal

Uma ideia relativamente antiga é a de que a educação possa ser um facilitador para a adoção de novas tecnologias. Segundo o modelo proposto por Nelson e Phelps em 1966, a disponibilidade de capital humano poderia tornar o processo de adoção de tecnologia pelas firmas mais barato, permitindo que os países bem educados em relação ao seu nível de desenvolvimento convirjam mais rapidamente para os níveis de tecnologia e renda das economias avançadas.

O modelo de mudança tecnológica endógena proposto por Paul Romer em 1990 vai ainda mais longe: o estoque de capital humano facilitaria não só a adoção, mas também o desenvolvimento de novas tecnologias. Como o capital humano é o insumo de produção usado mais intensivamente na pesquisa aplicada, uma força de trabalho bem educada permitiria que a sociedade colhesse mais externalidades positivas associadas à inovação.

Mas vamos ao que interessa: será que os países bem educados hoje crescem mais amanhã? Nós fizemos dois exercícios bem simples que aparentemente sugerem que sim. Vamos aos exercícios.

Primeiro exercício

1) Ordenamos todos os países do mundo que obtemos dados para a produtividade média do trabalho (PIB/trabalhador) em 1990;
2) Dividimos estes países em quartis;
3) Ordenamos os países de cada quartil pelo estoque de capital humano por trabalhador em 1990;
4) Dividimos os países de cada quartil ao meio, separando a metade mais educada da metade menos educada;
5) Comparamos o desempenho de crescimento da produtividade do trabalho das metades de cada quartil nos 26 anos posteriores.

Resultado: para todos os níveis de produtividade inicial, os países que eram mais bem educados que a mediana do seu grupo cresceram, em média, consideravelmente mais depois. Em outras palavras: parece haver uma relação de precedência temporal, indicando que a convergência educacional ocorre antes que a convergência de renda durante o processo de crescimento econômico, como sugerem os modelos.

Um exemplo emblemático é Brasil e Coreia do Sul. Ambos os países estavam no mesmo quartil de produtividade em 1990, possuindo níveis de renda muito parecidos. Mas enquanto a Coreia era um dos países mais bem educados do quartil, o Brasil era exatamente o oposto. Como seria esperado, a Coreia cresceu muito mais do que nós desde 1990.

Segundo exercício

1) Pegamos o desvio do estoque de capital humano dos países em 1990 em relação ao seu nível de produtividade, isto é: o quanto aquele país era mais ou menos bem educado do que seria esperado pelo seu nível de produtividade. Colocamos esse dado no eixo x do gráfico adiante. (Perceba que Coreia é um caso de desvio positivo; já o Brasil, negativo).
2) Rodamos uma regressão linear simples desse “resíduo de capital humano” em relação ao crescimento média da produtividade entre 1990 e 2014.

Resultado: países que tinham “muita educação para pouco PIB” cresceram mais (e essa variável é estatisticamente significante).

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Apesar de não ser um teste de causalidade, estes exercícios sugerem que pode haver relação de precedência temporal entre educação e desenvolvimento, ou seja, primeiro os países se educariam bem para seu nível de renda para depois se desenvolver.

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