A Nova Economia Institucional e a Cliometria

A popularização do livro “Por que as Nações Fracassam?” de Daron Acemoglu e James Robinson (2011) trouxe ao grande público a análise econômica institucional. Como consequência, frases como “as instituições são a causa fundamental do crescimento” e conceitos como instituições extrativistas e instituições inclusivas caíram no gosto do povo. Mas o que fundamenta essa análise? O que a torna especial para sua dominância no mainstream econômico? O que é a Cliometria e a Nova Economia Institucional? Trataremos dessa e mais questões com base numa tradução do artigo Alston et al. (2023). Mas antes, vamos fazer uma breve introdução sobre o tema.

O Debate dos Métodos

Antes de adentrar nas questões, é preciso entender que a relação entre história econômica e economia teórica sempre foi conflituosa em alguma medida. Hora amigável, hora cheia de confrontos. Um caso exemplar dessa dialética é o que ficou conhecido como o Methodenstreit der Nationalökonomie ou simplesmente, a Disputa dos Métodos. Ela foi travada entre a Escola Historicista Alemão, representada por Gustav Von Schmoller, e a Escola Austríaca, representada por Carl Menger. Entender essa disputa nos permite ter uma compreensão melhor da área que ficou conhecida como a Nova História Econômica, também chamada de Cliometria – área essa que iria se desdobrar na Nova Economia Institucional.

Não iremos nos alongar na disputa dos métodos, pois há mais nuances no debate que o espaço permite divulgar. Para saber mais, leia Löw (2008). Entretanto, o que vale ficar atento é como esse debate acabou sendo percebido na academia. O debate foi visto essencialmente como um confronto entre o uso do método indutivo dos historicistas contra o método dedutivo dos austríacos para o estado da economia.

Para entender o lado historicista, a seguinte fala de Schmoller sintetiza a tese principal desse campo: “As ciências históricas oferecem material e dados empíricos que transformam o estudioso de um sujeito simples a um homem rico no que se refere à realidade. E é esse material histórico que, assim como a boa observação e a descrição, serve para ilustrar e checar as conclusões teóricas, para demonstrar as limitações da validade de certas verdades e, acima de tudo, para obter indutivamente novas verdades.” (Schmoller, 1894, apud Brue, 2005, p. 205).

Ou seja, os historicistas acreditavam que a ciência econômica deveria prosseguir num método investigativo que consistia na coleta de material efetivo, histórico e descritivo, sendo patentemente contra a elaboração de leis econômicas com a suposição de que tudo mais permanece constante,. Assim haveria espaço apenas para induções teóricas solidamente fundamentadas em estudos monográficos históricos.

Em contrapartida, o campo austríaco priorizava, em seus aspectos epistemológicos e metodológicos, o dedutivismo, o subjetivismo e o individualismo. Para uma investigação científica de sucesso no campo econômico, Menger defendia uma separação entre o campo aplicado e o teórico, no qual a tarefa do último é descrever a natureza e a conexão geral dos fenômenos a partir das ações dos indivíduos. Enquanto o primeiro, com base no conhecimento teórico, iria avaliar e estudar os fenômenos e as conexões entre si.

Menger sintetiza: “Nesse sentido eu disse que o historiador e o estatístico deveriam pesquisar e apresentar as manifestações concretas da vida das pessoas e suas relações concretas em tempo e espaço (o primeiro sobre os pontos de vista do desenvolvimento, o último sobre os da caracterização!), o teórico, as formas de manifestação da vida das pessoas e as leis das manifestações dos mesmos (os tipos e as relações típicas das manifestações da humanidade), e o encarregado das ciências políticas e sociais práticas, os princípios para as atividades adequadas à área das manifestações políticas e sociais.” (Menger, 1884, p. 17-18).

De maneira grosseiramente simplificada, podemos dizer que para os historicistas a investigação econômica começa com os dados para chegar nas teorias, enquanto para os austríacos, o processo é justamente o contrário. Embora a disputa na época foi vista sem grande importância, a sua importância se deu com o tempo, uma vez que a visão de Menger acabou sendo privilegiada, enquanto os historicistas hoje em dia são largamente esquecidos.

É possível argumentar que houve um descolamento entre economia e história como desdobramento dessa vitória austríaca. A economia passou a se preocupar com uma teorização abstrata e a-histórica sem dialogar com outras áreas das ciências humanas, enquanto a história econômica ficou relegada aos historiadores cujo diálogo com o conhecimento teórico econômico era cada vez mais distante. A abstração teórica de cunho universalista que a economia adotou, em alguma medida, se contrapunha às particularidades que permeiam a análise histórica.

O surgimento da Cliometria e da Nova Economia Institucional

É nesta terra de ninguém entre teoria econômica e história econômica que emerge a Cliometria. Tal área consiste justamente no uso da teoria para estudar a história, assim diminuindo o descolamento histórico entre as duas áreas. Além disso, há uma ênfase metodológica em aplicar métodos quantitativos à análise histórica, assim, não só unificando teoria e história, mas ambos à análise empírica quantitativa. Diz Haupert (2017): “Um movimento matemático na disciplina de economia, tecnologia de computação avançada e uma mudança no foco do papel da história dentro da economia contribuíram para a proliferação da ‘nova’ história econômica que reescreveu a paisagem da disciplina. A própria ênfase na teoria e na modelagem formal que distingue a cliometria da ‘velha’ história econômica agora obscurece a distinção entre história econômica e teoria econômica.

A Nova Economia Institucional (NEI) surgiu diretamente da Cliometria, cujo um dos principais fundadores e um de seus proponentes mais vocais foi o nobelista Douglass North. Tal área introduz como programa de pesquisa no mainstream econômico a análise institucional, que por sua vez permite a análise de resultados sociais além apenas do econômico e, portanto, pode se basear em insights de estudiosos de outras áreas que também estudam governança há muito tempo. A cliometria em seu berço focou no uso da economia neoclássica para enquadrar um problema historiográfico, desenvolver hipóteses e testá-las – North mediu as mudanças nas taxas de transporte marítimo; Fogel a importância das ferrovias; e Fogel e Engerman a lucratividade da escravidão (North, 1958, 1968; Fogel, 1962, 1964; Fogel e Engerman, 1974).

Nas décadas de 1960 e 1970, North defendeu a importância de usar preços relativos para desenvolver hipóteses e depois testá-las quantitativamente. Ao longo da carreira de North, ele estava fundamentalmente interessado em compreender as causas do desenvolvimento econômico e (posteriormente) político. Sua ênfase no uso de preços relativos para motivar e testar hipóteses foi impulsionada por sua percepção de que, se pudéssemos medir como as sociedades mudaram ao longo do tempo, poderíamos entender melhor o processo de desenvolvimento. Assim, há uma aplicação consciente da teoria econômica para entender problemas de natureza histórica, assim diminuindo o gap acadêmico entre história econômica e economia teórica.

No final dos anos 1970, North ficou desiludido com a capacidade da teoria de preços neoclássica padrão para ajudar em sua busca. Então, ele baseou-se em ideias de seus colegas Yoram Barzel e Steven Cheung para ampliar a teoria para incluir custos de transação e direitos de propriedade, dois conceitos fundamentais na NEI. O trabalho inicial de North no NEI, “The Rise of the Western World“, com Robert Thomas, ainda se baseava nos preços relativos como agente de mudança e como eles impactaram os direitos de propriedade. Com o tempo, North descobriu que seu raciocínio nesse livro era insuficiente para entender o desenvolvimento. Seus próximos dois livros, “Structure and Change in Economic History” e “Institutions, Institutional Change and Economic Performance“, foram muito mais inovadores para a formação da NEI. Nessas obras, North acrescentou novos conceitos aos conceitos de custos de transação e direitos de propriedade, tais como os conceitos de instituições, ideologia (crenças), teoria do estado, entre outros. North concentrou-se nas instituições como dadas e traçou como elas impactam o desenvolvimento econômico.

Enquanto isso, outros estudiosos trabalhavam nos determinantes das instituições políticas. Os primeiros pioneiros na década de 1960 incluem Buchanan e Tullock (1962) e Mancur Olson (1965), que questionaram o “interesse público” como a causa das leis (instituições) e, em vez disso, discutiram os papéis dos interesses especiais. Consideramos isso o lado da demanda das instituições. Outros estudiosos, muitos em ciência política, focaram no lado da oferta das instituições, por exemplo, o Congresso, o poder executivo e o judiciário, e como eles afetaram as instituições políticas.

No presente texto veremos como conceitualmente levamos das instituições ao desempenho econômico e depois do desempenho econômico às instituições para mostrar uma dinâmica que geralmente sustenta o status quo. Mas alguns países rompem com o status quo e o papel dos choques, crenças e liderança são importantes em fazer uma transição crítica para uma nova dinâmica, o que pode facilitar uma partida para um nível mais alto ou mais baixo de economia e desenvolvimento político.

De instituição e normas ao desempenho econômico

O ponto de partida da NEI considera as instituições políticas como dadas ou fixas, o que permite uma análise refinada do impacto das instituições e normas econômicas nos custos de transação e, em última análise, no desempenho econômico. Usamos o termo desempenho econômico em vez de crescimento econômico porque o desempenho econômico pode ser julgado pelo crescimento econômico, desigualdade econômica e oportunidade econômica. Na figura abaixo ilustramos os conceitos relevantes para a ligação entre normas e instituições e, finalmente, o desempenho econômico.

Figura 1

Nossa análise do desempenho econômico começa com a forma como as instituições e normas moldam os direitos de propriedade. Por instituições, queremos dizer regras feitas por uma autoridade reconhecida que escolhe como e até que ponto aplicar as regras. Normas são crenças que resultam em padrões de comportamento que um subconjunto suficiente da população segue. O lixo é um caso que ilustra a diferença entre instituições e normas. Na maioria das sociedades existem leis que estipulam que quem joga lixo na rua pode ser multado, ou seja, há uma regra institucional. Em muitas sociedades existem normas contra jogar lixo na rua: é simplesmente errado jogar lixo na rua. As normas e leis, em muitos casos, são complementares, mas a norma contra jogar lixo na rua é mais importante do que a lei contra jogar lixo na rua porque a lei é difícil de ser aplicada (Alston et al., 2018).

Instituições e normas definem direitos de propriedade, cuja especificação e aplicação – que são so custos de transação – determinam, em última análise, o desempenho econômico. Direitos de propriedade descrevem os direitos, privilégios e outras relações associadas à propriedade, não apenas à propriedade física, mas aos direitos em geral. Se os custos de transação fossem zero, não importa quem recebe os direitos iniciais porque os atores podem negociar para colocar os direitos de propriedade nas mãos daqueles que mais os valorizam. Mas, como Coase (1960) argumentou vigorosamente, os custos de transação nunca são zero, então importa quem detém os direitos iniciais. Em outras palavras, em um mundo de custos de transação positivos, as escolhas institucionais iniciais podem ter profundas consequências distributivas e alocativas devido aos custos de “corrigir a questão”. Isso é conhecido como “Teorema de Coase”.

Instituições e normas resultam em um conjunto de direitos de propriedade de facto, definidos como os direitos de usar, consumir, obter renda e alienar os atributos dos recursos. Os direitos de propriedade de facto diferem dos direitos de propriedade de jure, que são as regras feitas por autoridades reconhecidas. Corporações e até mesmo famílias têm direitos de propriedade de jure e de facto. Os direitos de propriedade de facto dão origem a custos de transação: os custos de transferência, captura e proteção dos direitos de propriedade. Os direitos de propriedade de facto representam os direitos de propriedade reais em jogo. Por exemplo, existem leis que proíbem as pessoas de roubar seu carro ou outros bens, mas as leis não são aplicadas sem custo, e as pessoas complementam a lei não deixando as chaves no carro e trancando o carro para ajudar a deter os ladrões.

Nossa definição de custos de transação inclui quaisquer custos associados à organização da atividade humana, independentemente de a atividade ocorrer em hierarquias ou ser coordenada por meio do mecanismo de preço. Coase (1937) e Coase (1960) fundamentam esta análise e são duas faces da mesma moeda; Coase (1937) mostra que, se os custos de transação forem zero, o método particular de organização da produção é irrelevante para a eficiência econômica, e Coase (1960) mostra que, se os custos de transação forem zero, a distribuição inicial dos direitos de propriedade é irrelevante para a eficiência econômica. A verdadeira lição de Coase é que, como os custos de transação nunca são zero, a organização da atividade econômica e a distribuição dos direitos de propriedade são profundamente importantes para a eficiência econômica.

Os direitos de propriedade de facto podem impactar diretamente a mudança tecnológica. Por exemplo, fortes leis de patentes (um direito de propriedade) podem promover mudanças tecnológicas porque o retorno para certos tipos de atividade inventiva é maior. Para uma discussão e testes do impacto das patentes na atividade inventiva, veja Khan (1995), Kahn e Sokoloff (2001), Mokyr (1990) e Moser (2005). A tecnologia também pode afetar diretamente os custos de transação, o que, por sua vez, pode afetar a escolha do contrato.

Do desempenho econômico às instituições políticas

A qualquer momento podemos tomar o desempenho econômico como um dado e traçar como ele determina as instituições políticas (ou seja, as leis feitas pelo órgão legislativo e executada pelo executivo). Nesta seção, tomamos como fixas as regras constitucionais básicas que são um guarda-chuva que restringe as organizações e suas ações. As instituições políticas incluem as leis e as regulamentações que surgem das forças de demanda (interesses especiais e cidadãos) e forças de oferta – o processo legislativo executivo, a burocracia e o judiciário. Usar demanda e oferta não significa que haja um resultado único, mas nos permite separar os atores não-governamentais, ou seja, cidadãos e interesses especiais, dos atores governamentais, ou seja, executivo, legislativo, burocracias e tribunais.

Muitos dos conceitos usados ​​para a análise econômica discutidos na seção anterior são relevantes para a análise política; por exemplo, direitos de propriedade e custos de transação. Na figura abaixo, mostramos uma estrutura temporal para o processo de determinação das instituições políticas. Na barra lateral, mostramos uma constituição que ofusca o processo, indicando que a formulação de políticas ocorre sob um conjunto abrangente de regras secundárias constitucionais. Em muitos países, a constituição não é obrigatória, mas nos países de alta renda a constituição tende a vincular, embora seja aprovada uma legislação que pode ser questionável e acabar no tribunal para decidir sobre sua constitucionalidade. Começamos com um determinado nível de desempenho econômico que determina o crescimento da renda, a distribuição de renda e um nível de desigualdade de renda. Esses resultados criam vencedores e perdedores relativos que podem usar o sistema político para redistribuir a seu favor.

Figura 2

Em geral, quanto mais concentrados os interesses especiais, mais provável é que eles façam lobby no Congresso. Entretanto, Libecap (1992) analisa o caso dos frigoríficos de Chicago, um grupo altamente concentrado e que perdeu para os matadouros e açougues mais numerosos, mas ainda poderosos. O resultado foi a Lei de Inspeção da Carne, que afetou apenas aqueles que abatem carne e transportam a carne interestadual, ou seja, os frigoríficos. Além disso, esses vencedores e perdedores de uma determinada decisão legislativa podem incluir cidadãos em geral, bem como grupos concorrentes de interesses especiais. Os cidadãos tendem a não fazer lobby diretamente, mas têm defensores na medida em que há competição política. Os candidatos e titulares alertarão os cidadãos de que são seus defensores e distribuirão benefícios a eles. O desempenho econômico beneficia alguns grupos e prejudica outros. Ambos farão lobby. Aqueles que se beneficiam farão lobby junto ao governo para manter seus benefícios e os prejudicados farão lobby junto ao governo para que mude as instituições para reduzir esses danos.

O executivo e o legislativo são as organizações primárias para “ofertar” a legislação, ou seja, as instituições políticas. A maioria dos países do mundo tem um executivo e um legislativo, embora o executivo seja muito dominante em países autoritários. Apesar de terem funções aparentemente semelhantes, as regras executivas e legislativas podem variar enormemente. Existem sistemas parlamentaristas versus presidenciais e dentro dos presidenciais existem poderes executivos fortes ou fracos. As políticas não são implementadas sem custos pelo Executivo e Legislativo. Na maioria dos países, o executivo nomeia a burocracia de alto nível, nomeações que podem estar sujeitas à aprovação legislativa. Burocratas de nível inferior são frequentemente isolados por um serviço civil. A própria implementação pelas burocracias é importante. As burocracias podem ser ineptas ou corruptas, o que cria uma barreira entre as instituições aprovadas e sua implementação. As burocracias variam enormemente entre os países, mas tendem a ser mais honestas e competentes nos países mais desenvolvidos. 

De forma mais observável, dado o papel do judiciário na interpretação da lei, a legislação tende a enfrentar um teste judicial em muitos países. Por isso, também é importante analisar como funciona o judiciário. Como as burocracias, os juízes podem ser competentes ou ineptos e honestos ou desonestos. Os judiciários dos países também variam em sua independência. Os incentivos também variam dependendo se os juízes são eleitos ou nomeados. Todos esses fatores influenciarão a tomada de decisão judicial.

Essas categorias abrangentes – cidadãos, interesses especiais, executivos, legislaturas, judiciário e burocracias – abrangem grande parte do processo de determinação das instituições políticas. Outras organizações, não abordadas aqui, também podem desempenhar funções. Entre outros grupos, incluem-se a imprensa, promotores públicos, policiais e militares, para citar apenas algumas das poderosas organizações da sociedade que não consideramos explicitamente em nossa análise aqui.

A Figura 2 descreve como as instituições políticas emergem da interação de cidadãos, interesses especiais, políticos, burocracias, judiciário e outros. Essas instituições afetam o desempenho econômico, conforme mostrado na Figura 1 e discutido na seção anterior. Dessa interação entre instituições e desempenho, é comum que surjam muitas regularidades ao longo do tempo e dos países, levando os pesquisadores a fazer afirmações amplas ou mesmo a reivindicar ‘leis’ gerais, como, ‘quanto mais desenvolvido um país maior a probabilidade de ser democrático‘ (Teoria da Modernização), ou ‘à medida que a renda do país cresce, a poluição primeiro aumenta, mas depois de um ponto ela diminui‘ (Curva Ambiental de Kuznets), ou ‘existe uma relação negativa entre inflação e desemprego‘ (Curva de Phillips). Às vezes, esses resultados podem parecer generalizáveis, mas é importante lembrar que o impacto das instituições no desempenho depende das instituições de ordem superior que chamamos de “regras constitucionais” (ver Figura 2). Diferentes regras constitucionais podem levar a dinâmicas muito diferentes da relação endógena entre desempenho e instituições.

Robinson e Torvik (2011) têm uma abordagem semelhante que enfatiza quantos resultados conhecidos e celebrados na análise econômica e na história econômica são muitas vezes erroneamente aceitos e expressos como gerais e universais, quando, na verdade, estão condicionados a estruturas institucionais bastante específicas daquela sociedade. Eles chamam sua abordagem de “estática comparativa institucional” e descrevem sua contribuição enfatizando “que a qualidade ou força institucional influencia a maneira como o equilíbrio da economia política responderá a choques e mudanças no ambiente econômico” (Robinson e Torvik, 2011:8). Esse é essencialmente o mesmo ponto da Figura 2, com “constituição” sendo entendida como “qualidade ou força institucional”. Ou seja, dependendo das regras constitucionais que constrangem e possibilitam a interação dos atores políticos, choques no sistema levarão ao surgimento de instituições muito distintas. É útil considerar alguns dos exemplos explorados por Robinson e Torvik para ilustrar esse princípio.

A hipótese de Turner (Turner, 1920) postula que o excepcionalismo, o desenvolvimento e a democracia americanos foram em grande parte determinados pela existência de uma fronteira de terra livre durante grande parte da era formativa do país. As fronteiras, com toda a sua aspereza e possibilidades, imbuíram os colonos de uma forte cultura de individualismo, coragem e desejo de melhoria sem depender do governo ou de outros. Essa ideia é convincente e influenciou o trabalho acadêmico, a cultura popular, o discurso político e a identidade americana e a autopercepção de forma mais ampla. É tão convincente que muitas vezes é interpretada como se aplicando de forma geral a qualquer contexto onde existam fronteiras. Mas o exame dos processos históricos de fronteira em outros países revela rapidamente dinâmicas e resultados muito diferentes. Robinson e Torvik (2011:3) apontam que em outras partes das Américas, onde a expansão para as fronteiras desempenhou um papel igualmente importante no processo de desenvolvimento, o resultado não foi mobilidade social, igualdade e democracia, mas sim concentração de riqueza e poder em elites extrativistas, subdesenvolvimento e pobreza generalizada. A diferença, claro, se deve aos contextos institucionais muito diferentes, conforme descritos nas Figuras 1 e 2, encontrados nos Estados Unidos e em grande parte do restante das Américas durante esses períodos de fronteira. Como observado por Robinson e Torvik (2011: 9), “devemos parar de esperar por resultados estáticos comparativos incondicionais e pensar sobre como as instituições condicionam o impacto das perturbações de um equilíbrio”.

Outro exemplo dado por esses autores é a noção de maldição dos recursos, onde a existência de grandes reservas de minerais e recursos naturais em um país, contra-intuitivamente, reduz o crescimento econômico e sufoca o desenvolvimento. Mais uma vez, a regularidade empírica de que países com muitos recursos tendem a condições macroeconômicas fracassadas, pobreza, guerra, corrupção, autocracia, desigualdade e outras condições perversas é tão convincente que é difícil não considerar inexorável a noção de uma maldição de recursos. Mas, mais uma vez, não é difícil pensar em países atuais (por exemplo, Noruega) ou processos históricos (por exemplo, Grã-Bretanha e Estados Unidos) onde essa dinâmica não funcionou e, em vez disso, recursos naturais abundantes foram uma parte crucial do desenvolvimento bem-sucedido. A diferença, mais uma vez, está nas “regras constitucionais” e na estrutura por meio da qual operam a oferta e a demanda de instituições em cada caso. Países com estado de direito, freios e contrapesos e formas inclusivas de participação econômica e política têm maiores chances de transformar a disponibilidade de recursos naturais em uma bênção em vez de uma maldição. Robinson e Torvik sugerem que a ajuda externa aos países pobres têm praticamente o mesmo impacto que um boom de recursos e pode ter um impacto positivo ou negativo no crescimento econômico, dependendo das instituições do país receptor.

O impacto divergente da Peste Negra na Europa do século XIV, que reduziu a população para aproximadamente a metade, é outro exemplo gritante de estática comparativa institucional. Enquanto na Europa Ocidental esse choque demográfico aumentou o preço relativo da mão-de-obra, levando a um maior poder de barganha para os trabalhadores e iniciou a transição do feudalismo para o capitalismo, em grande parte da Europa Oriental ele levou à segunda servidão e maior opressão aos trabalhadores (Robinson e Torvik, 2011:27). Por que o mesmo choque induziu efeitos opostos em diferentes partes da Europa medieval? Embora a resposta detalhada a esta questão seja contestada e matizada, os autores reiteram aqui a mesma explicação fundamental de que “o impacto da Peste Negra foi condicionado ao equilíbrio institucional inicial” (pág. 29).

Como exemplo final proposto por esses autores, considere as novas oportunidades de colonização dos países europeus que foram desencadeadas pelas inovações na navegação e a descoberta do Novo Mundo. O impacto dessas oportunidades foi muito diferente em diferentes países, mesmo entre os comerciantes atlânticos que tinham acesso geográfico semelhante ao oceano (Acemoglu, Johnson e Robinson, 2005). Enquanto esse choque iniciou o crescimento econômico na Grã-Bretanha e na Holanda e os impulsionou para a Revolução Industrial, na Espanha e em Portugal não teve esse efeito, embora esses países tivessem uma grande vantagem na corrida colonial. A explicação para esse impacto diferencial, segundo essa análise, não está no efeito direto da riqueza que foi trazida das colônias para as metrópoles. Em vez disso, a distinção importante residia em como a nova riqueza afetava o equilíbrio político em cada país. Enquanto na Espanha e em Portugal o empreendimento colonial pertencia ao rei, aumentando seu poder absolutista, as colônias britânica e holandesa enriqueceram uma classe mercantil que buscava cada vez mais freios e contrapesos para restringir o poder real. Onde as monarquias constitucionais em vez das absolutistas foram habilitadas, os mercados financeiros, o investimento e a inovação se desenvolveram e abriram o caminho para a Revolução Industrial. Neste exemplo, é a maior pré-existência de uma classe mercantil a ser potencializada pelo choque colonial que diferenciou o equilíbrio político inicial entre os diferentes países e forneceu os diferentes resultados estáticos comparativos.

Robinson e Torvik fornecem vários outros exemplos, e não é difícil pensar em muitos resultados adicionais na literatura que, embora muitas vezes tratados como incondicionais e gerais, em uma inspeção mais detalhada dependem de condições institucionais de fundo bastante específicas para se materializarem. Por exemplo, a auto-organização pelas comunidades de modos de governança para gerir eficientemente os recursos comuns está condicionada a um equilíbrio político pré-existente, sem o qual a tragédia dos comuns é mais provável (Ostrom, 1990). Ou o impacto diferencial da queda do comunismo em diferentes países da Europa Oriental e da Rússia (Djankov et al., 2003).

Conclusão

A Cliometria consiste na aplicação da teoria econômica para estudar história, analisando empiricamente os fenômenos de interesse através do uso de métodos quantitativos. Da Cliometria emergiu a Nova Economia Institucional, que introduz de maneira sistemática a análise institucional ao mainstream econômico. A NEI estuda a relação entre instituições e normas sociais que afetam o desempenho econômico e como isso por sua vez afeta as instituições e normas sociais.

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