Depois de falar bastante sobre os prejuízos das políticas de proteção, mostrando como elas não são justificadas na imensa maioria das vezes, decidimos escrever pra vocês um pouco sobre os critérios que podem justificá-las em alguns casos.
A análise microeconômica convencional das políticas de proteção identifica sempre uma perda de eficiência originada do descasamento entre o preço interno e externo do bem em questão. Você protege um setor que, por definição, tem custos de produção maiores em relação ao mesmo setor no mercado internacional, caso contrário, ele já estaria sendo produzido internamente e a proteção não seria necessária. Com isso, expande-se a produção na área em que o país faz mal em detrimento da expansão da produção nas áreas que o país faz bem; isto é, aloca-se capital e trabalho no setor protegido (relativamente menos eficiente em relação ao mundo) ao invés de alocá-los no restante da economia exportadora (relativamente mais eficiente em relação ao mundo).
Entretanto, essa análise se torna um pouco mais complicada quando adicionamos as economias externas de escala. O que elas são?
Alfred Marshall, ainda no XIX, se debruçou para tentar entender a lógica dos distritos industriais da Inglaterra. Ele percebia que boa parte dessa concentração não poderia ser explicada à partir de uma dotação inicial dos fatores clássicos, como a abundância relativa de mão de obra e recursos naturais. Ao estudar o assunto, ele identificou que o agrupamento da produção em uma área geográfica trazia ganhos de produtividade para a indústria como um todo. Os motivos eram três:
1) Fornecedores especializados
Quando agrupadas em um distrito industrial, cada uma das firmas tem vantagem no fornecimento de insumos e bens de capital específicos para sua atividade. Em conjunto, estas empresas demandam em maior quantidade, conseguindo melhores preços. Uma empresa longe do distrito industrial, por exemplo, terá mais custos para estabelecer uma rede fixa de fornecimento para sua atividade isoladamente devido à sua escala reduzida.
2) Agrupamento da mão de obra
Quando isolada, uma empresa em expansão pode ter dificuldade para encontrar mão-de-obra especializada. Analogamente, os trabalhadores de uma empresa isolada em retração terão dificuldade para arrumar emprego. Sabendo disso, fica claro que o agrupamento da indústria em uma área geográfica facilita a vida das empresas e dos trabalhadores: empresas que vão bem têm mais facilidade para contratar das empresas do mesmo setor que vão mal; trabalhadores de empresas que vão mal tem mais facilidade para arrumar emprego nas empresas do mesmo setor que vão bem. Ao reduzir os custos de realocação da mão-de-obra, a concentração beneficia a produtividade da indústria como um todo.
3) Transbordamento de conhecimento
Quando concentrada em uma área específica, o transbordamento de novas técnicas e tecnologias entre as empresas de um mesmo setor ocorre com muito mais facilidade, seja pelo rodízio da mão-de-obra visto no ponto anterior, seja pelo contato mais direto e pessoal entre as firmas. Hoje, empresas do mundo inteiro se instalam no Vale do Silício para estarem perto de outras empresas de tecnologia, colhendo benefícios do transbordamento de conhecimento e de inovação.
Basicamente, as economias externas de escala representam o ganho de eficiência originado de um aumento na escala de produção em determinado setor. “Externa”, neste caso, porque a escala aqui não é a escala de uma firma especificamente, mas a escala de toda a indústria, entendida no agregado.
Quando adicionamos este elemento, percebemos que o livre-mercado pode conduzir a um equilíbrio ineficiente do ponto de vista de cada país.
Pense que só existem 2 países, Brasil e Suíça, competindo no mercado de relógios. O setor relojoeiro da Suíça, bem estabelecido, se beneficia de todas as economias externas de escalas vistas acima, já o Brasil não. Por mais que o Brasil tenha condição de produzir relógios a custos menores que a Suíça neste exemplo, nós não iremos entrar neste mercado, dado que os custos de produção atuais na Suíça, devido à escala, são menores que os nossos custos de entrada. Do ponto de vista de cada empresa brasileira, não faz sentido entrar no ramo de relógio individualmente e quebrar. Quando todas agem racionalmente assim, o resultado será o país inteiro não produzindo o que poderia ter vantagem comparativa. Este é um jogo de coordenação com equilíbrio Nash Pareto-ineficiente (para quem se interessa em teoria dos jogos).
Neste caso, faz sentido um estímulo/proteção temporário, que permita que toda a indústria cresça ao ponto de passar a se beneficiar das economias externas de escala, como a concorrente estrangeira. A partir deste momento, a proteção deixa de ser necessária.
Uma política de proteção ou de estímulo com fundamento microeconômico precisa identificar se o país tem os fatores necessários para entrar no setor. O Vale do Silício, por exemplo, com empresas de tecnologia intensivas em capital físico e humano, demanda mão-de-obra altamente especializada e custo de capital baixo. Não há razão específica para o Vale do Silício estar na Califórnia ao invés de qualquer outro estado americano, mas existem boas razões para que ele esteja nos EUA e não no Brasil.
O primeiro passo de uma política de proteção microfundamentada é estudar se o setor que se quer desenvolver é compatível com o nosso nível educacional e com o nosso custo de capital, este último dependente da taxa de poupança interna, que reflete padrões sociais e culturais de consumo, e do estágio de desenvolvimento econômico. O segundo passo é identificar as economias externas de escala. Isto é: há evidência concreta de que o país só não está produzindo internamente nesta indústria porque não tem a concentração necessária? O terceiro passo é tornar o processo transparente e blindá-lo de grupos de interesses. Neste sentido, é preferível que a política seja na forma de subsídios, e não tarifas, pois permite que a sociedade saiba exatamente o quanto está sendo gasto. Melhor ainda se passar pelo Congresso Nacional, como todas as demais despesas. Além disso, a política precisa ser desenhada para acabar. Se os formuladores estavam enganados no diagnóstico e as economias externas de escala não era o fator que impedia a entrada do país em determinada indústria, a politica precisa acabar à revelia do que o grupo de interesse beneficiado por ela deseja.
Na dúvida se o diagnóstico sobre a necessidade da política de proteção está correto ou se o país tem qualidade institucional para fazê-la sem se tornar refém de grupos de interesse, é recomendado não fazer. Talvez o melhor argumento a favor do livre comércio seja que, apesar de ele não ser perfeito, é muito difícil para o Estado, com todas as suas falhas, desenhar políticas comerciais que sirvam como alternativa melhor.
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