O fluxograma abaixo apresenta aquilo que se chama na literatura de inconsistência temporal da autoridade monetária. Ele mostra, basicamente, qual é a vantagem da existência de um Banco Central independente que atua sob regras claras em relação a um Banco Central que age discricionariamente. Tal resultado foi elaborado pela primeira vez por Kydland e Prescott em um paper seminal.
Suponha que inicialmente o Banco Central anuncie uma política de baixo crescimento monetário. Caso o mercado de trabalho acredite nesse anúncio, os contratos firmados levarão em conta uma baixa inflação e, portanto, ajustarão levemente os salários. Caso o Banco Central cumpra com sua palavra, isto é, caso ele mantenha um baixo crescimento monetário, tem-se assim o cenário 1: baixa inflação e desemprego no nível natural.
Ocorre que o Banco Central pode agir diferentemente daquilo que ele se propôs; e, na verdade, caso o BC esteja submetido às vontades do governante de plantão, ele possui todos os incentivos para assim fazer: uma vez que os agentes acreditam na palavra do Banco Central e ajustam os salários de acordo, a autoridade monetária tem um incentivo a adotar um alto crescimento monetário, obtendo-se com isso o cenário 2: alta inflação e desemprego abaixo do nível natural, resultado capturado pela Curva de Phillips.
O problema com isso é que os agentes não são bobos e não acreditarão na palavra do Banco Central para sempre. No próximo anúncio, os agentes já saberão que o Banco Central tende a não manter a sua palavra e esperarão um alto crescimento monetário, independentemente do que diga a autoridade monetária. Se o Banco Central quiser evitar uma recessão, ele deverá agir de acordo com as expectativas dos agentes e deverá, portanto, manter um alto crescimento monetário. Tem-se com isso o cenário 4: alta inflação e desemprego no nível natural. Percebam que o desemprego está no mesmo nível do cenário 1, mas com o incômodo de se ter uma inflação maior (que significa um fardo maior para a sociedade). Tem-se com isso, em termos técnicos, um equilíbrio de Nash Pareto-ineficiente.
Se o Banco Central quiser recuperar a credibilidade — ancorar as expectativas, como se diz — inevitavelmente uma recessão deverá acontecer: os agentes esperam um alto crescimento monetário mas o Banco Central expande pouco a base monetária, gerando o resultado do cenário 3: baixa inflação e desemprego acima do nível natural. Ocorre que, atuando sob discrição, uma vez que as expectativas voltem a estar ancoradas e a economia retorne ao pleno emprego, o BC passa a ter novamente incentivos para “roubar”, levando à situação inicial.
Como evitar esse jogo de gato e rato, que é evidentemente desgastante e ineficiente? Fazendo com que o BC atue através de regras, atando as mãos dos dirigentes do BC e dos governantes e encerrando, assim, a tentação de obter um ganho de curto prazo na forma de desemprego menor em troca de uma recessão futura. Uma vez que o Banco Central é gerido como política de estado, e não de governo, ele deixa de servir aos interesses eleitoreiros de curto prazo e passa a servir à sociedade, maximizando a utilidade social no longo prazo (a regra atualmente mais usada no mundo é a que estipula uma meta de inflação a ser seguida).
Percebe agora a importância de um BC independente atuando sob regras claras?
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