Como a teoria neoclássica poderia prever o declínio soviético? – Por Paul Krugman

Após a Segunda Guerra, a URSS apresentava um crescimento econômico impressionante. Até a década de 60, parecia – para os menos cuidadosos – que o modelo socialista estava fadado a convergir (e quem sabe ultrapassar) o modelo capitalista em níveis de renda num futuro não tão distante. Na prática, esse crescimento econômico foi desacelerando até começar a declinar. De 1975 em diante, os soviéticos não só eram bem mais pobres que os americanos, como ficavam relativamente mais pobres a cada dia.

O que deu errado? A melhor reposta da teoria econômica é: havia problema na produtividade total dos fatores, isto é, na capacidade de fazer continuamente o melhor uso dos recursos disponíveis.

Os soviéticos aumentaram sua produtividade mobilizando recursos que só poderiam ser mobilizados uma vez. Por exemplo: aumentar a participação da força de trabalho em atividades modernas, retirando pessoas da situação de subsistência, eleva a produtividade média da economia, mas não dá pra fazer isso duas vezes. Aumentar a taxa de investimento aumenta a velocidade de acúmulo de capital físico, que aumenta a produtividade; mas a taxa de investimento não pode crescer pra sempre, afinal, as pessoas precisam consumir. Educar a população melhora a produtividade, mas o rendimento marginal é decrescente: é super útil acabar com o analfabetismo, mas dar um diploma de PhD pra todo mundo seria ridículo. Quando se esgotaram essas fontes, a economia estaciona.

Por que a produtividade total dos fatores não crescia? A melhor resposta da teoria econômica é: instituições. As instituições de uma economia planificada não produzem incentivos para que os indivíduos façam continuamente o melhor uso dos recursos existentes, desenvolvam novos métodos de produção, processos de fabricação, modos de organização industrial, etc, devido à falta de competição. O crescimento da produtividade no longo prazo é efetivamente obstruído.

Para explicar um pouco melhor o que foi dito acima, trazemos um trecho traduzido do artigo “The Myth of Asia’s Miracle”, de Paul Krugman, falando um pouco mais sobre essas ideias. Segue o trecho.

“The Myth of Asia’s Miracle”, por Paul Krugman

É uma tautologia que a expansão econômica representa a soma de duas fontes de crescimento. De um lado estão os aumentos nos insumos: crescimento no emprego, no nível de educação dos trabalhadores e no estoque de capital físico (máquinas, edifícios, estradas, e assim por diante). Do outro lado estão aumentos na produção por unidade de insumo; tais aumentos podem ser resultado de uma melhor gestão ou uma melhor política econômica, mas no longo prazo são principalmente devido ao aumento no conhecimento.

A ideia básica da contabilidade do crescimento é dar vida a essa fórmula calculando medidas explícitas de ambas. A contabilidade pode então nos dizer quanto do crescimento é devido a cada insumo – digamos, capital ao invés de trabalho – e o quanto é devido ao aumento da eficiência.

Todos nós fazemos uma forma primitiva de contabilidade de crescimento toda vez que falamos de produtividade do trabalho; ao fazê-lo, estamos implicitamente distinguindo entre a parte do crescimento nacional devido ao crescimento da oferta de trabalho e a parte devido a um aumento no valor dos bens produzidos pelo trabalhador médio. Aumentos na produtividade do trabalho, no entanto, nem sempre são causados ​​pelo aumento da eficiência dos trabalhadores. O trabalho é apenas um dos vários insumos; os trabalhadores podem produzir mais, não porque sejam mais bem geridos ou tenham mais conhecimento tecnológico, mas simplesmente porque têm melhores máquinas. Um homem com um trator pode cavar uma vala mais rápido do que com apenas uma pá, mas ele não é mais eficiente; ele só tem mais capital para trabalhar. O objetivo da contabilidade do crescimento é produzir um índice que combine todos os insumos mensuráveis ​​e medir a taxa de crescimento da renda nacional em relação a esse índice para estimar o que é conhecido como “produtividade total dos fatores”.

Até agora isso pode parecer um exercício puramente acadêmico. Assim que se começa a pensar em termos de contabilidade de crescimento, no entanto, chega-se a um insight crucial sobre o processo de crescimento econômico: o crescimento sustentado da renda per capita de uma nação só pode ocorrer se houver um aumento na produção por unidade de insumo.

Simples aumentos nos insumos sem um aumento na eficiência com que esses insumos são usados ​​- investindo em mais maquinário e infraestrutura – devem ter retornos decrescentes; logo o crescimento impulsionado por insumos é inevitavelmente limitado.

Como, então, as nações avançadas de hoje conseguiram alcançar um crescimento sustentado da renda per capita nos últimos 150 anos? A resposta é que os avanços tecnológicos levaram a um aumento contínuo da produtividade total dos fatores – um aumento contínuo da renda nacional para cada unidade de insumo. Em uma estimativa famosa, o professor do MIT Robert Solow concluiu que o progresso tecnológico foi responsável por 80% do aumento de longo prazo da renda per capita dos EUA, com aumento do investimento em capital explicando apenas os 20% restantes.

Quando os economistas começaram a estudar o crescimento da economia soviética, eles o fizeram usando as ferramentas da contabilidade do crescimento. Naturalmente os dados soviéticos colocaram alguns problemas. Não só foi difícil reunir estimativas utilizáveis ​​de produção e insumo (Raymond Powell, professor de Yale, escreveu que o trabalho “em muitos aspectos se assemelhava a uma escavação arqueológica”), mas também havia dificuldades filosóficas. Em uma economia socialista, dificilmente se poderia medir a entrada de capital usando retornos de mercado, então os pesquisadores foram forçados a imputar retornos baseados naqueles em economias de mercado em níveis similares de desenvolvimento. Ainda assim, quando os esforços começaram, os pesquisadores tinham muita certeza sobre o que eles encontrariam. Assim como o crescimento capitalista baseava-se no crescimento tanto dos insumos quanto da eficiência, com a eficiência como principal fonte de uma renda per capita crescente, eles esperavam descobrir que o rápido crescimento soviético refletia tanto o rápido crescimento dos insumos quanto o rápido crescimento da eficiência.

Mas o que eles realmente descobriram foi que o crescimento soviético era baseado no rápido crescimento de insumos – fim da história. A taxa de crescimento da eficiência não foi apenas não-espetacular, foi bem abaixo das taxas alcançadas nas economias ocidentais. De fato, segundo algumas estimativas, era praticamente inexistente.

Os imensos esforços soviéticos para mobilizar recursos econômicos não eram novidade. Planejadores stalinistas transferiram milhões de trabalhadores das fazendas para as cidades, empurraram milhões de mulheres para a força de trabalho e milhões de homens para longas jornadas, perseguiram programas massivos de educação e, acima de tudo, mobilizaram uma proporção cada vez maior da produção industrial do país na construção de novas fábricas. Ainda assim, a grande surpresa foi que, uma vez tendo levado em conta os efeitos desses insumos mais ou menos mensuráveis, não havia mais nada a explicar. O mais chocante sobre o crescimento soviético foi sua compreensibilidade.

Essa compreensibilidade implicava em duas conclusões cruciais. Em primeiro lugar, as alegações sobre a superioridade das economias planejadas sobre as de mercado acabaram se baseando em uma má compreensão. Se a economia soviética tinha alguma força especial, era sua capacidade de mobilizar recursos, não sua capacidade de usá-los eficientemente. Era óbvio para todo mundo que a União Soviética em 1960 era muito menos eficiente que os Estados Unidos. A surpresa foi não ter mostrado sinais de estar diminuindo a diferença.

Segundo, como o crescimento impulsionado por insumos é um processo inerentemente limitado, o crescimento soviético estava praticamente certo de desacelerar. Muito antes de a desaceleração do crescimento soviético se tornar óbvia, ela foi prevista com base na contabilidade do crescimento. (Os economistas não previram a implosão da economia soviética uma geração depois, mas esse é um problema completamente diferente).

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