Sob quais condições os multiplicadores fiscais são positivos? – Resumo de “How Big (Small) are Fiscal Multipliers”

Informações sobre o paper

Título: How Big (Small) are Fiscal Multipliers

Autores: Ethan Ilzetzki, Enrique G. Mendoza & Carlos A. Végh

Ano de publicação: 2010

Publicado em: NBER (link)

Introdução

Se você está habituado com o debate econômico na internet, certamente já se deparou com a discussão de se gastos do governo são prejudiciais ou benéficos para a economia. A discussão, na maioria das vezes, é carregada de ideologia e pouco afeita aos dados. Uns dizem que aumento dos gastos do governo sempre aumenta o produto da economia, outros dizem que sempre diminui. Uns chegam ao ponto de dizer que o aumento dos gastos do governo não só aumenta o produto, como aumenta tanto que eles chegam ao ponto de ser auto-pagáveis, isto é, aumentam tanto o produto a ponto de aumentar a arrecadação tributária em uma magnitude maior que o próprio aumento dos gastos do governo, compensando, assim, o aumento nessa última cifra. Ou seja, quanto mais o governo gasta, mais ainda ele arrecadaria. Esse é o moto-perpétuo na versão econômica.

Acontece que a economia é algo extremamente complexo, e a magnitude da variação no produto devido à variação em algum componente do mesmo (isto é, o multiplicador) pode variar enormemente e depende de muitos fatores.

Utilizando um conjunto de dados trimestrais de 44 países (20 desenvolvidos e 24 em desenvolvimento), de 1970 até 2007, os autores estimaram o multiplicador fiscal dos governos utilizando o método SVAR (structural vector autoregression).

Esse paper (na verdade, um working paper) joga luz à essa questão. Ele mostra uma série de condições nas quais o multiplicador do governo varia.

Esse working paper é importante por ter sido o primeiro estudo que utilizou dados trimestrais para estimar os multiplicadores fiscais de países em desenvolvimento. Segue um resumo dele abaixo abaixo.

Multiplicadores de países desenvolvidos e em desenvolvimento

A figura abaixo apresenta o impulso-resposta do PIB real nos países de renda alta a um choque de 1% no consumo do governo no tempo 0 (as linhas tracejadas representam um intervalo de confiança de 90%).

A figura abaixo apresenta o impulso-resposta do PIB real nos países em desenvolvimento a um choque de 1% no consumo do governo no tempo 0 (as linhas tracejadas representam um intervalo de confiança de 90%).

Como se observa, a resposta do PIB é positiva em toda a simulação em países de alta renda, enquanto é negativa a longo prazo nos países em desenvolvimento. A diferença entre as respostas do PIB ao aumento no consumo governamental nos dois grupos de países é estatisticamente significativa ao nível de confiança de 5%.

Com base nas funções de resposta ao impulso representadas nas imagens acima, pode-se calcular os correspondentes multiplicadores fiscais. Eles são mostrados nas figuras abaixo.

O multiplicador de impacto para países de alta renda é de 0,39. Isso significa que um dólar adicional nos gastos do governo gera 39 centavos de produto adicional no trimestre de implementação. Este efeito, embora pequeno, é estatisticamente significativo.

Para os países em desenvolvimento, o multiplicador de impacto é negativo em -0,03 e não é estatisticamente significativo. A diferença entre o multiplicador de impacto nos dois grupos de países é estatisticamente significativa ao nível de confiança de 5%.

Focar apenas no multiplicador de impacto, no entanto, pode ser enganoso porque pacotes de estímulos fiscais só podem ser implementados ao longo do tempo e podem haver lags na resposta da economia. Portanto, deve-se analisar o multiplicador de longo prazo.

Vemos que o multiplicador acumulado para países de alta renda chega a longo prazo ao valor de 0,66. Mesmo após o impacto total de uma expansão fiscal ser contabilizada, a produção aumentou menos que o aumento acumulado no consumo do governo, o que implica algum efeito de crowding out da produção pelo consumo do governo em todos os horizontes de tempo. O multiplicador é estatisticamente diferente de zero em todos os horizontes.

Por outro lado, o multiplicador acumulado de longo prazo para os países em desenvolvimento é negativo e não é estatisticamente significativo em qualquer horizonte de tempo. O aumento do consumo do governo é mais do que totalmente compensado pela queda em outros componentes do PIB (investimento, consumo ou exportações líquidas) a longo prazo.

Multiplicadores em diferentes regimes cambiais

Os multiplicadores acumulados, mostrados na figura abaixo, sugerem que o regime cambial importa muito. Sob taxas de câmbio fixas, o multiplicador de impacto é 0,15 (e estatisticamente significativo) e sobe para 1,4 a longo prazo. Sob regimes cambiais flexíveis, no entanto, o multiplicador é negativo em qualquer horizonte de tempo, e estatisticamente significativo, tanto no impacto quanto no longo prazo. A diferença entre o resultado para os dois grupos é estatisticamente significativa em qualquer horizonte de previsão.

Esses resultados são, em princípio, consistentes com o modelo de Mundell-Fleming, que prevê que a política fiscal é eficaz para aumentar a produção sob taxas de câmbio fixas, mas ineficaz sob taxas de câmbio flexíveis.

Mas essa consistência é só em princípio. Quando os autores rodam uma função impulso-resposta da conta corrente tanto para o grupo de países com taxa fixa de câmbio quanto para o grupo com taxa flexível, encontra-se que a queda na taxa real de câmbio não se traduz em um maior declínio da conta corrente dos países com taxa de câmbio flexível, como o modelo de Mundell-Fleming prediz. Isso está mostrado na figura abaixo. O gráfico da esquerda mostra a conta corrente de países de taxa fixa de câmbio após um choque de consumo do governo; o gráfico da direita, de países de taxa flexível.

Por outro lado, encontra-se evidência para o canal de “acomodação monetária”. Autoridades monetárias que operam sob condições de taxas fixas de câmbio reduzem a taxa de juros da economia em 30 pontos-base acumulados no ano após um choque no consumo do governo de 1% do PIB. Em contraste, os bancos centrais operando sob taxas de câmbio flexíveis aumentam a taxa de juros em margem estatisticamente significativa no impacto, com as taxas de juros aumentando em média 25 pontos-base no ano seguinte a um choque de magnitude semelhante. Esses resultados estão relacionados à noção de que a acomodação monetária desempenha um papel importante na determinação do efeito expansionista da política fiscal.

Abertura ao comércio

Em seguida, os autores dividem os 44 países analisados entre “abertos” e “fechados”, utilizando a fração da soma das exportações e importações no PIB para fazer a divisão. Países com mais de 60% do PIB de comércio estrangeiro foram considerados abertos; caso contrário, fechados.

As respostas cumulativas, mostradas na figura abaixo, indicam que o volume de comércio como proporção do PIB é um determinante crítico do tamanho do multiplicador fiscal. Para economias com baixas razões comércio/PIB, a resposta de impacto é de 0,6 e o multiplicador de longo prazo é de 1,1, com multiplicadores estatisticamente significativos em todos os horizontes previstos. Para economias com altos volumes comerciais como proporção do PIB, a resposta é negativa tanto no impacto quanto a longo prazo e em nenhum momento estatisticamente significativa. A diferença entre as duas categorias é estatisticamente significativa em horizontes de previsão de até cinco anos.

Fragilidade financeira

A figura abaixo mostra o multiplicador acumulado resultante durante períodos de alto endividamento (hdebt) e baixo endividamento (ldebt). Essa figura é consistente com a noção de que tentativas de estímulo fiscal em países altamente endividados podem ser contraproducentes. A estimativa para o multiplicador de impacto é próxima de zero em ambos os casos. Mas no caso do multiplicador de longo prazo, ela é de -3 para países muito endividados e ainda próximo de zero para países pouco endividados. Além disso, pode-se rejeitar com 99% de confiança a hipótese de que o multiplicador fiscal é positivo para países muito endividados.

O limiar de 60% de dívida parece ser um limiar significativo, acima do qual o estímulo fiscal parece ser ineficiente.

Há diferença no multiplicador entre gastos do governo em consumo e investimento?

Os multiplicadores acumulados resultantes dos gastos em investimento do governo para países de alta renda são apresentados abaixo. As estimativas dos multiplicadores do investimento em todos os horizontes de tempo são semelhantes aos multiplicadores de consumo. Não há evidências robustas de que o investimento do governo é mais produtivo em seu efeito estimulante do que o consumo em países de alta renda.

Nos países em desenvolvimento, ao contrário, a figura abaixo mostra que o multiplicador de impacto do investimento do governo é 0,6 e estatisticamente significativo. Pode-se rejeitar com 10% de nível de confiança a hipótese de que o efeito dos gastos do governo com investimento não é maior do que os gastos com consumo do governo em até 10 trimestres após o início dos gastos. Parece que a composição das compras governamentais é um determinante importante do impacto nos choques de produção nos países em desenvolvimento.

Conclusão

Ficou confuso com tudo o que foi apresentado? Vamos resumir. Os resultados encontrados foram os seguintes:

  1. O grau de desenvolvimento é um determinante crítico do tamanho dos multiplicadores fiscais. Nos países em desenvolvimento, a resposta da produção aos aumentos no consumo do governo é negativa (e não é estatisticamente significativa). Por outro lado, a resposta da produção nos países desenvolvidos é positiva (e significativamente diferente de zero). Além disso, nos países em desenvolvimento, a resposta cumulativa do produto é negativa e não é estatisticamente diferente de zero. Em contraste, o efeito positivo da produção nos países desenvolvidos é altamente persistente e estatisticamente significativo no longo prazo.
  2. O grau de flexibilidade da taxa de câmbio também é um determinante crítico do tamanho dos multiplicadores fiscais. As economias que operam sob regime cambial fixo têm multiplicadores de longo prazo maiores que um, mas economias com regimes de taxa de câmbio flexível têm multiplicadores negativos mesmo no longo prazo. O multiplicador fiscal em países com taxas fixas de câmbio é estatisticamente diferente de zero e do multiplicador em países com regimes de câmbio flexível.
  3. A abertura ao comércio é outro determinante crítico. Economias relativamente fechadas (devido a barreiras comerciais ou mercados internos grandes) têm multiplicadores de longo prazo aproximadamente unitários, mas economias relativamente abertas têm multiplicadores negativos. A diferença de multiplicadores fiscais nesses dois grupos é estatisticamente significativa nos primeiros cinco anos. Nas economias com uma pequena proporção de comércio internacional em relação ao PIB, o multiplicador é estatisticamente diferente de zero no curto e no longo prazo.
  4. Se a dívida do governo central é maior que 60% do PIB, em média, o multiplicador fiscal não é estatisticamente diferente de zero no curto prazo e é negativo (e estatisticamente diferente de zero) a longo prazo.
  5. O multiplicador do investimento governamental nos países em desenvolvimento é maior do que um a longo prazo e estatisticamente diferente do multiplicador do consumo do governo em horizontes previstos de até dois anos. Isso indica que a composição das despesas pode desempenhar um papel importante na avaliação do efeito de estímulo fiscal nos países em desenvolvimento. O multiplicador fiscal do investimento público é maior do que o do consumo público em países de alta renda, mas essa diferença é pequena e não é estatisticamente significante.

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