Introdução
O debate sobre as desigualdades de renda entre os países não é recente na história da ciência econômica, sendo revisitado diversas vezes por diversos autores de opiniões distintas e possuindo reflexos até os tempos atuais.
O autor Albert Hischman em seu livro “Estratégia do Desenvolvimento Econômico” propõe a explicação da problemática das diferenças econômicas entre as sociedades analisando as diferenças sociais e culturais entre o continente europeu e a América Latina, e como essas diferenças afetam a ação econômico dos agentes nessas duas sociedades.
Embora o autor tenha escrito para um contexto específico, os conceitos por ele abordados podem ser usados de maneira generalizada, possuindo diversas aplicações em contextos distintos, justificando assim a abordagem externa ao cenário analisado na obra original. Por isso, sua teoria é, no mínimo, interessante, e ela será explicada, de forma resumida, abaixo.
A imagem grupal de transformação e a resistência à mudança pelos agentes econômicos
Antes de abordar a ideia de imagem grupal de transformação é necessário primeiro destacar um importante ponto sobre o comportamento humano: o fato de sermos influenciados pelos outros e pela sociedade, de modo geral.
Questões como convívio familiar, senso de nacionalidade e cultura são de extrema importância para a formação do indivíduo, afetando assim o pensamento dos agentes econômicos e, claro, as escolhas deles nos mercados. O autor cita como exemplo a família, visto que um indivíduo que nasceu e viveu em uma família que seja resistente quanto ao enriquecimento pessoal terá dificuldades de quebrar esse ciclo e de alguma forma acender e crescer na esfera material da vida.
E é justamente desse ponto que surge a ideia de imagem grupal de transformação, sendo este conceito nada mais do que as diversas limitações sociais e culturais que de alguma maneira impedem o desenvolvimento material dos agentes econômicos, criando barreiras e resistências ao crescimento e desenvolvimento econômico. Em alguns casos as barreiras são tão rígidas que aqueles que a quebram são vistos como sortudos ou mesmo desonrados da sociedade ou do grupo que vivem.
Exemplificando, algumas das características da imagem grupal de transformação são:
- A ordem social é em algum grau hierárquica e possui papéis sociais rígidos e pré-estabelecidos;
- Os agentes econômicos tendem a acreditar mais na sorte do que no esforço individual;
- Os indivíduos são normalmente mais acomodados com relação ao crescimento profissional e empresarial;
- O conceito de espírito empreendedor como descrito na literatura schumpeteriana é limitado, inibindo assim o processo de destruição criativa;
- O volume de ideias geradas e aplicadas numa economia é menor que em uma sociedade fora do cenário analisado.
Vale ressaltar que a imagem grupal de transformação é externa ao agente econômico e, como consequência, difícil de quebrar e de ser reconhecido pelo próprio agente.
Dessa forma, o crescimento da produtividade da economia se torna limitado pelo meio em que os indivíduos se encontram, gerando entraves e gargalos para o crescimento da oferta e reduzindo o PIB potencial da economia.
Quanto à política e ao setor público, o autor argumenta sobre existência de entraves sociais para a realização de projetos considerados custosos ou que de alguma forma modifiquem a estrutura hierárquica instalada socialmente. Assim, em última instância, o estado passa a realizar projetos menores e normalmente mais concentrados regionalmente no espaço geográfico.
A redução da preferência pela liquidez e o consequente menor rendimento do capital
Dando sequência, a imagem grupal de transformação, como dito acima, afeta o pensamento e a agência dos empreendedores de uma economia, modificando assim como o investimento privado funciona e se movimenta ao longo do tempo.
Retomando a teoria monetária keynesiana, suponha uma função de demanda por moeda dependente da preferência dos agentes pela moeda em espécie, por ativos líquidos, e por bens de capital. Ou seja:
M_d = f(U_m, U_l, U_i)
em que U_m representa a utilidade dos agentes obtida pela propriedade de moeda em espécie; U_l a utilidade obtida pela propriedade de ativos líquidos; e U_i a utilidade obtida pela propriedade de bens de capital.
Hirschman argumenta que as sociedades que possuem imagem grupal de transformação limitada possuem maior aversão ao risco e, consequentemente, maior cautela quanto à criação de novos investimentos.
Seguindo a equação acima, indivíduos dessas sociedades possuem U_m e U_l, ao passo que baixo U_i. Ou seja, tais indivíduos possuem grande preferência por ativos líquidos e por moeda, e isso, em última instância, distancia os mercados financeiros dos mercados reais e aumenta a volatilidade e o risco sistêmico da economia.
Outro argumento interessante é o de que o investidor dentro do cenário analisado, mesmo quando escolhe investir em bens de capital, escolherá sempre aqueles com menor risco e menor retorno, limitando assim o dinamismo econômico e reduzindo os lucros empresariais.
Por fim, é colocado pelo autor que as expectativas dos empresários são exageradas perante o custo-benefício, fazendo com que a percepção de riscos de todos os investimentos seja aumentada, o que pode contribuir tanto para a maior ociosidade do capital quanto para o aumento da preferência pela liquidez desses grupos.
Vencendo as barreiras sociais
Como proposta de solução da situação descrita acima, o autor argumenta pela necessidade de um agente coordenador da economia que seja de influência suficiente para quebrar o sistema hierárquico vigente e forte o suficiente para criar um cenário de bonança social suficiente para fomentar o espírito empreendedor schumpeteriano e aumento de produtividade dos agentes econômicos.
Vale ressaltar que o autor não especifica quem ou quais devem ser os agentes coordenadores. Normalmente este papel é atribuído ao Estado, porém não é incomum que seja associado a uma instituição, grande personalidade, empreendedor, intelectual ou mesmo a uma firma de grande influência dentro do território nacional.
Conclusão
Pode-se extrair da teoria de Hirschman que há uma enorme influência social e cultural sobre a economia e o agir dos indivíduos nos mercados, e isso cria condições desiguais e limita o potencial de crescimento, dificultando assim o desenvolvimento material de toda a sociedade.
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