O presente texto é uma tradução de um trecho do capítulo 3 do livro “The Money Illusion: Market Monetarism, the Great Recession, and the Future of Monetary Policy“ (“A Ilusão do Dinheiro: Monetarismo de Mercado, a Grande Recessão e o Futuro da Política Monetária” em tradução livre, livro ainda sem tradução para PT-BR), do economista Scott Sumner. Neste trecho o autor apresenta o que ele intitula como a ideia mais importante da economia monetária, apresentando-a por meio de um interessante experimento de pensamento.
A única coisa que o texto pressupõe do leitor é que ele saiba a diferença entre variáveis nominais e variáveis reais. Caso o leitor não saiba a diferença, uma variável nominal é uma variável que pode ser expressa por unidades monetárias, por exemplo, preços. Enquanto uma variável real é medida em termos relativos, ou seja, uma variável que pode ser descrita como uma variável nominal dividida pelo nível de preços de uma economia. Então, pensando em um exemplo bobo, em uma economia fechada que produz apenas um bolo de cinco reais, seu PIB nominal é justamente cinco reais, enquanto seu PIB real é um bolo. Pense nominal em termos de moeda e real em termo de coisas.
Segue a tradução com algumas (pequenas) alterações das páginas 46-50 do livro.
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Para explicar melhor a demanda por dinheiro, vou começar com o famoso experimento mental do gotejamento do helicóptero. Sim, não é realista, e veremos casos mais realistas. Mas não há como fugir do fato de que este é um belo experimento mental – na minha opinião, o mais interessante de toda a macroeconomia. Ben Bernanke usou esse exemplo com tanta frequência que os operadores de Wall Street lhe deram o apelido de “Helicóptero Ben”.
Imagine um país com um milhão de pessoas. Cada pessoa detém, em média, $200 em dinheiro a qualquer momento. (As pessoas pegam dinheiro em caixas eletrônicos e o gastam gradualmente antes de reabastecer o estoque). Portanto, o estoque total de dinheiro em circulação é de $200 milhões.
Por que a pessoa média guarda cerca de $200 em dinheiro? A quantidade de dinheiro que se escolhe manter é uma decisão econômica como qualquer outra. Mais dinheiro significa mais conveniência, mas também um risco de perda ou roubo, além de um pouco de juros perdidos de opções alternativas de investimento, como certificados de depósito. (Vamos supor que o dinheiro não paga juros.) Assim, as pessoas pesam os custos e benefícios de mais dinheiro e encontram uma quantidade de equilíbrio que preferem. Chamamos essa quantidade de “demanda por dinheiro” do público. É a quantidade agregada de dinheiro que o público prefere manter (em mãos).
Aqui pode ser útil se você se visualizar como um cidadão neste país imaginário. Talvez $200 sejam suficientes para comprar o valor de uma semana de coisas nas quais você gasta dinheiro. Esqueça cheques, cartões de crédito e assim por diante; estou interessado apenas no que você gasta em dinheiro, não importa quão pequena seja a parcela de seus gastos. A questão que eu quero que você pense é esta: quem determina quanto dinheiro você carrega em sua carteira, você ou o presidente do Banco Central? A maioria das pessoas sente que tem livre-arbítrio — que determina quanto dinheiro carrega na carteira. Elas determinam com que frequência vão ao caixa eletrônico e quanto sacam a cada vez. Mas o público realmente determina sua demanda por dinheiro? Sim e não.
Agora suponha que o Banco Central de nosso país hipotético decida dobrar a oferta monetária de $200 milhões para $400 milhões. O Banco Central sabe que o público prefere manter apenas $200 milhões no momento, mas não se importa. Ele está determinado a injetar mais $200 milhões na economia, e ninguém vai detê-lo. Ele arquiteta um plano para gotejar (jogar) o dinheiro novo de helicópteros, para forçar as pessoas que preferem carregar $200 em suas carteiras, não $400. Então, o que acontece com esses $200 extras per capita? O Banco Central força o público a reter esse dinheiro extra ou não? Sim e não. (Economia monetária não é fácil).
E se você pegasse um pouco desse dinheiro extra flutuando no ar – o que você faria com ele? Você pode tentar se livrar dele gastando-o. Mas agora a falácia da composição entra em ação – o que é verdade para um indivíduo pode não ser verdade para a sociedade como um todo. Qualquer indivíduo pode se livrar de dinheiro indesejado gastando-o. Mas quando você gasta, você literalmente “passa a responsabilidade” [pass the buck], sobrecarregando outras pessoas com saldos de caixa em excesso para que agora tenham mais do que preferem manter.
Não há como contornar a matemática básica. Se há um milhão de pessoas e a oferta de dinheiro dobrou de $200 milhões para $400 milhões, então o caixa da pessoa média dobrou de $200 para $400. O Banco Central “obrigou” as pessoas a reter mais dinheiro do que desejam, ou assim parece à primeira vista. Mas não chegamos ao fim da história. No fundo, é provável que você ainda acredite que o Bacen não pode forçá-lo a reter mais dinheiro. E em certo sentido você está certo.
Começamos assumindo que os indivíduos escolhem o tamanho de suas reservas de caixa. E isso é verdade, não é? Você decide quanto levar em sua carteira, não o Bacen. Então, como podemos conciliar essas duas percepções? Uma percepção é que nós, como indivíduos, determinamos quanto dinheiro está em nossas carteiras. E a outra percepção é que nossas participações médias, per capita, são determinadas pelo Banco Central. Essas percepções não entram em conflito?
O modelo da batata quente fornece uma solução para esse paradoxo, e essa resolução é a ideia mais importante da economia monetária. À medida que as pessoas tentam se livrar do excesso de saldos de caixa, elas gastam seu dinheiro indesejado. Isso aumenta a demanda por bens e serviços, que é chamada de demanda agregada. À medida que a demanda aumenta, os preços começam a subir. Quão mais alto sobem os preços? Dê uma olhada no modelo de oferta e demanda na Figura 1. Onde está o novo equilíbrio? Observe que assumimos que o valor do dinheiro caiu pela metade. Isso significa que o nível de preços deve ter dobrado. [Lembrando que podemos definir o valor do dinheiro como o inverso do nível de preços]. E isso significa que uma duplicação da oferta de dinheiro deve levar a uma duplicação do nível de preços, pelo menos se estivermos corretos sobre a demanda por dinheiro ter elasticidade unitária (i.e, um determinado percentual de variação no preço leva a uma variação percentual igual na quantidade demandada ou ofertada).
Agora vamos pensar por que o nível de preços dobrou. Começamos supondo que a pessoa típica deseja ter dinheiro suficiente para fazer compras no valor de uma semana. Em seguida, o Bacen tenta forçar o público a reter o dobro de dinheiro – $400 por pessoa. Inicialmente, o público tenta se livrar desses excessos de caixa gastando o dinheiro. Esse aumento na demanda agregada começa a elevar os preços. Uma vez que o nível de preço dobrou, as pessoas estão novamente com dinheiro suficiente para comprar o valor de uma semana de compras. Mais uma vez estamos em equilíbrio.
Anteriormente, perguntei se o público realmente determina sua demanda por dinheiro; a resposta foi sim e não. Agora você pode ver o porquê. O Bacen controla a quantidade nominal de dinheiro na economia. Se quiser aumentar a oferta de dinheiro, não há nada que o público possa fazer a respeito. A menos que as pessoas queiram queimar o dinheiro novo em suas lareiras, elas devem manter esses saldos de caixa aumentados. Mas o público determina a demanda real por dinheiro. Portanto, se a oferta nominal for maior do que o público prefere manter, as pessoas agem de tal maneira que aumentam o nível de preços até que os saldos reais de caixa atinjam o equilíbrio preferido do público.
O exemplo anterior obviamente deixa de fora muitos aspectos do mundo real. Por exemplo, as pessoas realmente precisam manter o dinheiro extra criado pelo Bacen, em conjunto? Eles não poderiam simplesmente queimá-lo em suas lareiras ou jogá-lo no lixo? Mais plausivelmente, que tal colocá-lo no banco? Essa é uma pergunta interessante, que exploraremos em capítulos futuros. O dinheiro colocado nos bancos é chamado de reservas, e lembre-se que a base monetária é a soma do dinheiro em poder do público e das reservas, em um dado momento. O Bacen realmente injeta dinheiro básico, e o público (incluindo os bancos) decide se o manterá na forma de dinheiro ou reservas bancárias.
No final, porém, os bancos não impedem realmente o efeito batata-quente, pelo menos quando as taxas de juros são positivas. Isso porque os bancos também têm um nível preferencial de saldos de caixa – ou seja, um nível preferencial de reservas. Até 2008, os bancos [considerando num contexto (principalmente) estadunidense] preferiam manter níveis muito baixos de reservas bancárias, porque as reservas não renderam juros e, portanto, não eram lucrativas de manter. Portanto, o efeito batata-quente não terminou com o dinheiro sendo depositado nos bancos; os banqueiros colocaram o dinheiro em circulação o mais rápido possível.
O experimento mental do gotejamento de helicóptero pode parecer fantasioso, mas ilustra o conceito mais importante em toda a macroeconomia. Nada mais na macroeconomia fará sentido até que você entenda isso. O efeito batata-quente resulta da interação de dois fatores. Uma é a ideia de que o público tem uma “demanda por dinheiro” bem definida e que as pessoas exigem dinheiro apenas porque tem poder de compra. Livros inteiros foram escritos sobre a demanda por dinheiro, e aprenderemos muito mais sobre isso no próximo capítulo. O outro fator é o monopólio do Banco Central na produção de moeda fiduciária e, em particular, a ideia de que bancos centrais têm uma capacidade virtualmente ilimitada de ajustar o tamanho da base monetária. A interação desses dois fatores significa que o Bacen controla o nível de preços e, por implicação, todos os valores nominais da economia. Isso mesmo, o Bacen controla até mesmo a mesada nominal que você dá à sua filha a cada semana (assumindo que a mesada real é o que você se importa).
Volte e observe a Figura 1. O Bacen pode gerar qualquer nível de preços que desejar, fazendo um ajuste adequado na oferta monetária. Há uma razão para a inflação nos EUA ter sido em média de cerca de 1,95% desde 1990: o Fed [Federal Reserve System] tem como meta a inflação em 2%. Antes disso, os EUA tiveram décadas com inflação muito mais alta (décadas de 1940 e 1970) e décadas com deflação grave (décadas de 1880, 1920 e 1930).
Referências
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Friedman, Milton. The counter-revolution in monetary theory: first Wincott memorial lecture, delivered at the Senate House, University of London, 16 September, 1970. Vol. 33. Transatlantic Arts, 1970.
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Sumner, Scott. The Money Illusion: Market Monetarism, the Great Recession, and the Future of Monetary Policy. University of Chicago Press, 2021.
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