O milagre coreano

Entre 1961 e 1997, a economia coreana apresentou taxas absolutamente impressionantes de crescimento econômico, marcadas por uma melhora brutal no padrão de vida da população e um enorme aumento na participação do país no comércio global. Este período é conhecido como o Milagre do Rio Han. Apesar do que dizem, a economia mainstream não tem nenhum problema para explicar este fenômeno. Na verdade a Coreia é um excelente estudo de caso para se fixar alguns conceitos dos modelos neoclássicos de crescimento.

Nós estamos falando de um país que entre 1961 e 1997 teve a força de trabalho crescendo 3,1% ao ano, muito mais do que a velocidade de crescimento populacional, porque aumentou enormemente a taxa de participação da mão-de-obra. A carga horária de trabalho, que já era uma das mais altas do mundo em 1960, aumentou cerca de 0,1% ao ano até 1997. A escolaridade da força de trabalho, que era 3,12 anos em 1960, foi para 10,2 anos em 1997. Se a gente aplicar retornos mincerianos pra essa mudança na escolaridade, encontraremos um estoque de capital humano por trabalhador que cresceu em média 2% ao ano no período. Só pelo lado do fator trabalho a gente já tem 3,1% + 0,1% + 2% = 5,2% a.a; ou seja, um absurdo completo.

Pelo lado do estoque de capital, a taxa de poupança, que era 4% do PIB em 1960, foi para 44% do PIB em 1997; mais do que multiplicou por 10. Nos exercícios que fizemos usando o método do estoque perpétuo, encontramos uma taxa de acúmulo de capital físico de 11,3% a.a no período, outro absurdo.

Usando uma elasticidade do capital de 0,45 (comum para os países em desenvolvimento), estes elementos por si só explicariam um crescimento médio de quase 8% ao ano entre 1961 e 1997. O crescimento de fato foi 9,3%, um pouco maior do que o previsto. A diferença residual entre o crescimento real e o que pode ser explicado pela variação nos fatores de produção é o que os economistas chamam de crescimento da produtividade total dos fatores, um crescimento na produção por unidade de insumo. A PTF cresceu relativamente bem na Coreia, mas nada milagroso ou muito diferente do que acontecia nos demais países organizados do mundo. Aliás, em vários países da Europa Ocidental a PTF cresceu consideravelmente mais rápido no mesmo período.

O “milagre” basicamente não foi milagre, mas sim trabalho duro. Os coreanos aumentaram muito a proporção de gente que trabalha, as horas trabalhadas e o nível educacional destes trabalhadores. Na outra ponta, aumentaram incrivelmente a taxa de poupança, que pôde financiar uma expansão descomunal do estoque de capital físico (máquinas, pontes, estradas, etc). Com política industrial ou sem, com Hyundai, Samsung ou sem, já era esperado que a Coreia tivesse um desempenho fenomenal de crescimento entre 1961 e 1997, considerando-se o que há de mais básico na teoria neoclássica do crescimento econômico, que é o modelo Solow.

Mas será que a política industrial coreana contribuiu de alguma forma? Há ainda hoje uma enorme discussão sobre isso. Nós sabemos que não ter se isolado do mundo com políticas de substituição de importação, como fez a América Latina, foi positivo para a Coreia, pois há vasta evidência dos benefícios do comércio internacional para o crescimento da produtividade. Inclusive existem estudos mensurando o quanto as reformas comerciais que promoveram abertura do mercado coreano ao comércio contribuíram para o catching-up de produtividade em relação às economias avançadas. Mas ainda há muita dúvida acerca da efetividade de outras intervenções, como as no mercado de crédito.

De qualquer forma, esta é uma discussão secundário, que tenta explicar o detalhe. O grosso do bom desempenho a gente consegue explicar relativamente bem com o arcabouço teórico neoclássico mais elementar.

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Dica de leitura:

Artigo do Krugman da década de 90 intitulado “The Myth of Asia’s Miracle”, que aborda os mesmos pontos.

Fontes das nossas estimativas:

Força de trabalho, horas trabalhadas e poupança:
https://www.rug.nl/ggdc/productivity/pwt/

Escolaridade:
http://www.barrolee.com/

PIB a preços constantes e taxa de formação bruta de capital:
https://data.worldbank.org/

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