O que é uma função Cobb-Douglas e por qual motivo ela é importante?

Uma das primeiras formas de representação matemática de variáveis microeconômicas apresentada ao estudante de graduação de Economia é a função Cobb-Douglas. Esta função possui propriedades matemáticas muito valiosas do ponto de vista econômico e, em certa medida, possui contrapartida com a realidade empírica — o que confere um certo grau de confiança à abstração teórica. Além disso, o modelo exposto pela função Cobb-Douglas não se restringe apenas às análises microeconômicas, na teoria da firma e do consumidor, mas se estende para campos da Macroeconomia, Teoria do Crescimento Econômico, e por aí vai.

Ou seja, ter familiaridade com esta função é fundamental para o processo de formação acadêmica do estudante de Economia, além de facilitar todo o percurso de estudo. O objetivo deste texto é tentar explicar o porquê desta função ser tão querida pelos economistas, mostrando que ela não simplesmente caiu do céu.

Antes de se aprofundar propriamente no tema do texto, acredito que a seguinte digressão seja importante. Do meu ponto de vista, devido às características próprias da ciência econômica — uma ciência social com alto grau quantitativo — há dois perfis principais de estudantes: o primeiro, que é mais afeiçoado pela área social e filosófica (eu me incluo neste); e o segundo, que é mais afeiçoado pela parte matemática. O primeiro possui dificuldade para entender a operacionalização das ferramentas matemáticas. O segundo possui dificuldade para compreender a filosofia por trás da operacionalização matemática. O melhor dos dois mundos seria agregar os dois perfis; ou então, no meu caso, tentar aprender a área que possui mais dificuldade. Tentarei, ao longo do texto, abordar as nuances por trás da função Cobb-Douglas de um ponto de vista matemático e histórico/filosófico.

Apesar de abstrata, ela representa uma associação fluída e padronizada entre os seus componentes, podendo ser a relação entre capital (K) e trabalho (L), que se transformam em uma certa quantidade de bens; ou uma relação de preferência de um indivíduo entre dois bens diferentes e o respectivo grau de bem-estar (Função de Utilidade). Desse modo, uma característica fundamental desse modelo é a possibilidade de associar diferentes quantidades de Capital e Trabalho (ou quantidades de dois bens), de modo a obter o mesmo nível de produção (ou grau de bem-estar). A estas relações é denominado Curvas de Isoquantum (Teoria da Firma) e Curvas de Indiferença (Teoria do Consumidor). Tudo isso é captado pela seguinte forma funcional:

Y(L,K) = bL^\alpha K^{1-\alpha}

I. Contexto histórico

O início do século XX, devido ao avanço da formalização matemática (tendo o seu apogeu na década de 50) nas teorias econômicas e ao refinamento na coleta e tratamento de dados, foi um dos períodos mais prósperos para o desenvolvimento e amadurecimento da Ciência Econômica. Nesse contexto de progresso, surge um artigo escrito por Paul H. Douglas e Charles W. Cobb, em 1928, intitulado “A Theory of Production” que mudou completamente o estado da arte da Economia. Não é à toa que Samuelson (1979) afirmou: “Se o prêmio Nobel fosse concedido a partir de 1901 para a Economia, assim como foi para a Física, Química, Medicina, Paz e Literatura, Paul H. Douglas provavelmente teria recebido um antes da Segunda Guerra Mundial, pelo seu trabalho pioneiro nas tentativas econométricas de medir as produtividades marginais e quantificar as demandas por fatores de produção.”

Apesar da função de produção dada por Cobb e Douglas ter sido popularizada após a publicação do “Theory of Production”, tendo Wicksteed como inspiração, a sua forma funcional foi originalmente proposta por Knut Wicksell, em 1896 (BIDDLE, 2012). Contudo, do ponto de vista de P. H. Douglas, o nascimento da função Cobb-Douglas pode ser resumido da seguinte maneira:

No ano de 1927, em Amherst, fiz um gráfico em escala logarítmica com três variáveis […] para a indústria manufatureira americana entre os anos 1889-1922: um índice (C) da quantidade total de capital fixo […], um índice (L) da quantidade total de empregados assalariados na indústria manufatureira, e um índice (P) da produção física na indústria manufatureira. Eu notei que o índice de Produção segue os de Capital e Trabalho, de modo que a distância relativa entre os índices de trabalho e capital foram entre um terço e um quarto. Após consultar meu amigo e matemático Charles W. Cobb, escolhemos a fórmula de Euler para uma simples função homogênea de primeiro grau, que o memorável Philip Wicksteed tinha desenvolvido alguns anos antes. Encontramos, pelo método de mínimos quadrados, os valores de k e 1-k em 0,75 e 0,25, e b aproximadamente 1,01.

Os dados de produção computados por esta fórmula foram muito próximos dos dados reais, com uma pequena média de erro. Além disso, os desvios dos valores reais podem ser explicados em grande parte por imprecisões nos dados e pelos ciclos de negócios […]. Uma prova final foi que as participações reais da produção total destinados ao Trabalho e ao Capital, de acordo com o National Bureau of Economic Research, foi quase o mesmo do previsto, cerca de 74,1% de trabalho” (DOUGLAS, 1972, p. 46 apud SAMUELSON, 1979, p. 925).

A verdadeira contribuição dada por Douglas não foi a introdução da forma funcional típica de uma função de produção com elasticidade-substituição constante — que, como vimos, foi feita muitos anos antes por Wicksell —, mas o seu uso para estimações estatísticas da relação entre fatores de produção e produto (BIDDLE, 2012). Ou seja, a grande inovação dada pelo paper de Douglas foi o uso pioneiro de métodos estatísticos como instrumentos de análise econômica e verificação empírica.

Isto é, a sua forma funcional, ao capturar a essência do significado econômico de rendimentos marginais decrescentes, e a possibilidade da utilização de métodos estatísticos como forma de verificar a sua adequação com a realidade empírica, são os motivos que proporcionam a importância do conhecimento desta função para qualquer estudante de Economia. Estas características são importantes, pois a própria composição social está sujeita a determinados níveis de restrições, que podem ser traduzidas em níveis relativos de escassez, expressados em forma de preços ou pela própria restrição orçamentária. Agregando essas restrições com a forma funcional dada pela função Cobb-Douglas, temos o ferramental básico para a análise de otimização microeconômica.

De outro modo, como cada escolha tem um custo associado a ela — em forma de custo de oportunidade —, é razoável que o comportamento econômico seja analisado de forma que cada decisão seja tomada objetivando a maximização do benefício obtido por ela, considerando a escassez (em forma de sacrifício) de recursos para se obter esse benefício. Ou seja, usando a teoria da firma como exemplo, um objetivo pode ser encontrar as combinações entre Capital (K) e Trabalho (L) que minimizem os custos de produção.

Uma forma simples de se pensar nisso é imaginar uma pequena lojinha de sucos de limão, de modo que há uma relação entre a quantidade de horas de trabalho (L) para espremer os limões e o uso de um instrumento como um aparelho espremedor (K). Qual será a melhor associação entre os dois? De antemão, há várias formas diferentes, que dependem do contexto e objetivo do problema dada a situação hipotética. Podemos, por exemplo, escolher um espremedor manual ou um espremedor elétrico. Enquanto um espremedor manual se limita a espremer um limão por vez, necessitando de uma pessoa para aplicar a força necessária para extrair o suco da fruta, um espremedor elétrico é bem mais rápido, bastando que uma pessoa supervisione o processo. Ou seja, há uma certa relação de substituição entre trabalho (L) e capital (K), de modo que 4 horas de trabalho e 1 espremedor elétrico pode atingir o mesmo nível de produção que 8 horas de trabalho e 1 espremedor manual. A escolha ótima entre os dois dependerá da relação de custos entre os dois insumos e o nível de produção desejado.

II. O “Theory of Production”, de 1928

O grande motivador para o desenvolvimento do artigo de Cobb e Douglas é dado na parte introdutória do paper, cuja tradução pode ser feita da seguinte forma:

“O refinamento na coleta de dados de mensuração do volume de produção física e manufaturada tornou possível a tentativa de mensurar as variações na quantidade de trabalho e capital que foram transformados nesses bens produzidos, e entender quais são as relações existentes entre trabalho, capital e produção. Assumindo os limites da análise, ou seja, tomando como pressuposto a confiabilidade dos dados, outros problemas inevitavelmente aparecem para serem solucionados, que são:

1.  Podemos estimar, dentro dos limites, se o aumento visto na produção foi puramente fortuito, ou se foi causado pela mudança na técnica, e, se houver, o grau em que ele responde a mudanças na quantidade de trabalho e capital?

2.  Será que é possível determinar, novamente dentro dos limites, a influência relativa do Trabalho na produção em comparação com o Capital?

3.  Dadas as mudanças na proporção do trabalho sobre o capital ao longo dos anos, será possível deduzir a quantidade adicionada à produção física total por cada unidade de Trabalho e Capital e, o que é mais importante, deduzir a quantidade adicionada pelas unidades finais de trabalho e capital nesses respectivos anos?

4.  Podemos mensurar as inclinações prováveis das curvas de produto incremental que são imputadas ao Trabalho e ao Capital e, assim, dar uma maior definição para o que atualmente é apresentado apenas como uma hipótese sem valores quantitativos atrelados?

5.  Finalmente, do estudo de: (a) adição de produto físico, de ano para ano, por unidade de Trabalho e Capital combinado com (b) um estudo dos valores relativos de troca da unidade física de bens manufaturados nesses anos comparado com (c) o atual movimento de salários “reais” na produção manufaturada e na taxa real de juros (se esta puder ser apurada), podemos esclarecer a questão de se os processos de distribuição são ou não modelados de maneira próxima aos de produção de valores?” (COBB e DOUGLAS, 1928).

É perceptível no espírito do texto — principalmente no item 4 — a tentativa de proporcionar uma validação empírica para a Ciência Econômica através de métodos estatísticos aplicados, como forma de “dar uma maior definição para o que se atualmente é apresentado como uma hipótese sem valores quantitativos atrelados”. E a estimação obtida pelos autores, entre o período de 1899-1922, considerando a evolução dos índices relativos de Produção, Trabalho e Capital, os levou a concluir que:

1) Dizer que P’ representa a estimativa da produção real P é dar uma expressão particular para a teoria já conhecida;
2) P’ aproxima para zero quando L ou C se aproxima de zero;
3) P’ se aproxima de P ao longo do período;
4) Os desvios de P’ para P são individualmente significantes;
5) P’ está bastante correlacionado com P quando são incluídas tendências seculares;
6) P’ está bastante correlacionado com P quando são eliminadas tendências seculares.

O gráfico que representa a evolução dos índices, considerando a correlação entre a estimativa dada por Cobb Douglas — utilizando a forma funcional que incorpora as suposições teóricas de rendimentos decrescentes — e a produção real em cada ano, é representado no artigo da seguinte maneira:

III. Conclusão

Tentei explicitar que a importância do trabalho de Cobb e Douglas não foi devida propriamente à construção da forma funcional, mas sim pela tentativa de proporcionar uma contrapartida empírica ao que até então era apenas uma hipótese teórica. Contudo, a influência do trabalho dos autores foi tanta que, por convenção, a forma funcional ficou conhecida como Cobb-Douglas. Quando lemos algum manual de microeconomia — como do Varian ou do Pindyck —, temos a sensação de que ela simplesmente caiu do céu; sendo a explicação restrita apenas a expor as propriedades que a forma funcional possui que garantem curvas de indiferença ou isoquantum (para Teoria da Firma) bem-comportadas.

O trabalho dos pesquisadores, principalmente de Douglas, foi pioneiro para a economia empírica e, por consequência, sujeito a falhas e críticas. Para uma leitura mais aprofundada, recomendo Biddle (2012). Mas, sem sombra de dúvidas, o “Theory of Production” se consolidou como um paradigma no processo de amadurecimento da Economia para obtenção de conhecimento científico, e entender esse processo é bastante heurístico como forma de ampliar a bagagem teórica do estudante ou curioso da Ciência Econômica.

Referências

COBB, Charles W.; DOUGLAS, Paul H. A Theory of Production. American Economic Association, p.139–165, 1928.

SAMUELSON, Paul A. Paul Douglas’s Measurement of Production Functions and Marginal Productivities, Journal of Political Economy, Vol. 87, №5, Part 1 (Oct., 1979), pp. 923–939.

BIDDLE, Jeff. Retrospectives: The Introduction of the Cobb-Douglas Regression, JOURNAL OF ECONOMIC PERSPECTIVES VOL. 26, NO. 2, pp.223–36.

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