Devemos privatizar o saneamento? Provavelmente sim

Há um número razoavelmente robusto de evidências de que as privatizações, dado alguns fatores, podem melhorar a qualidade dos serviços e o nível de produtividade de diversos setores. Porém, a área de saneamento básico é um pouco mais complicada por se tratar, em geral, de um monopólio natural, o que dificulta a competição para serviços melhores e envolve uma série de externalidades (benefícios não capturados pelo sistema de preços). No entanto, mesmo nesse setor é possível encontrar algumas evidências de que o uso da iniciativa privada junto a um marco regulatório decente é benéfico à sociedade.

No artigo intitulado “A privatização beneficia os pobres? Os efeitos da desestatização do saneamento básico na mortalidade infantil” o economista Thomas Fujiwara estima que o efeito médio da privatização na queda da mortalidade infantil foi em torno de 10,3% a 12,4% no Brasil de 1991 a 2000.

Em outro artigo intitulado “Water for life: the impact of the privatization of water services and mortality” estima-se que na Argentina as privatizações foram responsáveis por uma diminuição de 4,5% a 9,7% da mortalidade infantil, sendo que o efeito foi 26% maior nas áreas mais pobres.

No caso brasileiro estudado por esse artigo, não houve um aumento no número de acesso a água e tratamento de esgoto naquele período, porém no caso da Argentina é observado um aumento no acesso. Isso pode ser um indicativo da diferença da qualidade regulatória dos setores nos dois países. O uso da iniciativa privada na Argentina foi muito maior que no Brasil.

Problemas nas estatais

O autor William Niskanen demonstra em alguns estudos que a burocracia tende a maximizar seus ganhos buscando uma parte maior do orçamento do governo para seu setor. No caso das estatais brasileiras de saneamento, isso parece se refletir quando olhamos o montante de dinheiro dedicado aos salários dos funcionários em comparação com o que é investido na expansão da rede.

Por exemplo, de 2010 a 2017, R$ 68,1 bilhões foram dedicados a salários no setor, porém apenas R$ 8,5 bilhões a investimentos na expansão da rede, segundo levantamento do jornal O Globo. Existem casos absurdos, como em Goiás, onde a Saneago reduziu o investimento em 35% e aumentou a folha em 228% em 7 anos. No Distrito Federal o custo médio por funcionário da empresa Caesb chega a R$300 mil.

Casos recentes de privatização

No Rio de Janeiro, há dois casos de sucesso das empresas privadas do setor de saneamento.

Na região dos lagos em 2001 apenas 0,8% dos habitantes dessa região tinham esgoto tratado. Em 2015, 14 anos depois, com a privatização, o índice subiu para 60,07%, acima da média nacional.

Em Niterói, nos primeiros 5 anos após a entrada do setor privado, o acesso a água tratada foi de 72% para 100%. Atualmente o tratamento de esgoto subiu de 35% para 90%, e a perda de água diminuiu de 40% para 16%. Enquanto isso, a cidade ao lado, Rio de Janeiro, sofre com crises hídricas. Apesar de ter 100% de água tratada, apenas 46% dos cariocas tem tratamento de esgoto. Além disso, a qualidade do serviço é baixa, o que ficou evidenciado com a crise hídrica no início de 2020 e problemas em 2021 com a qualidade da água.

A empresa que atende a cidade do Rio é a Cedae. Outras cidades atendidas por ela estão entre as piores no ranking de saneamento básico.

Comparativo entre público e privado no Brasil

Segundo levantamento da CNI, o investimento do setor privado é proporcionalmente maior do que do setor público. O investimento privado em saneamento alcançou R$ 418,16 por habitante, enquanto a média nacional foi de R$ 188,17.

A participação do setor privado no setor é de apenas 9% da população atendida. Porém, mesmo tendo pouco espaço para atuar, o setor privado já apresenta uma série de indicadores acima da média nacional — como coleta, tratamento de esgoto e atendimento total de água.

A incidência de coliformes fecais totais fora do padrão é mais de 6 vezes superior na média nacional do que nas companhias privadas.

A razão entre empregados e volume de água produzida também é um pouco menor no setor privado que na média nacional, o que pode indicar maior produtividade no setor privado.

Esse estudo ainda levanta dois questionamentos:

i) O setor privado cobra mais caro?

As tarifas do setor privado e do setor público são bem próximas. Em 2016, as tarifas do setor privado eram 3% maiores do que as tarifas das companhias estaduais, porém a qualidade do serviço era maior, como já mostrado nos gráficos acima.

ii) O setor privado só atende grandes cidades?

72% das cidades atendidas pelo setor privado tem no máximo 50 mil habitantes. Isso demonstra que esse setor também tem interesse em investir em cidades menores.

Conclusão

Como em outros setores, o uso de empresas privadas junto a um marco regulatório bem desenhado pode gerar melhoras no serviço de saneamento, impactando na diminuição da mortalidade infantil, aumento dos investimentos e do acesso. O motivo das melhorias talvez esteja atrelado aos incentivos à busca por lucro e à menor influência política dentro das empresas, o que facilita uma governança interna mais eficiente. No Brasil a abertura ao setor privado parece ainda mais necessária, dada a forte restrição no orçamento do governo.

Referências

GALIANI, Sebastian, GERTLER, Paul & SCHARGRODSKY, Ernesto. Water for Life: the Impact of the Privatization of Water Services on Child Mortality. Journal of Political Economy, 2005, v. 113, n.1

FUJIWARA, T. A privatização beneficia os pobres? Os efeitos da desestatização do saneamento básico na mortalidade infantil. Anais do XXXIII Encontro Nacional de Economia – ANPEC, Natal, 2005.

Saneamento Básico: uma agenda regulatória e institucional. Confederação Nacional da Indústria. Brasília, 2018. Propostas da indústria – eleições 2018, v. 25.

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Publicado originalmente aqui.

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