A proposta de um imposto sobre transações financeiras pode parecer sedutora, mas esse modelo de tributação gera uma série de distorções, que serão brevemente explicadas a seguir.
Os agentes econômicos optam por realizar pagamentos por meio do sistema bancário quando esta opção é menos custosa do que as alternativas disponíveis. Os custos de transação da realização de pagamentos com papel moeda, criptomoedas, ou ainda da adoção de um sistema de compensações financeiras paralelo ao sistema bancário, normalmente são maiores do que aqueles correspondentes à utilização dos serviços bancários de intermediação financeira. Além disso, a manutenção de ativos líquidos no sistema bancário tem como recompensa a taxa de juros paga nas aplicações de renda fixa.
Com a instituição de um tributo sobre as transações bancárias os incentivos mudam, pois ocorre um aumento do custo dessas operações. Se a taxa de juros vigente for elevada e a alíquota do tributo for baixa, a fuga do sistema bancário ocorrerá em um nível irrelevante. Esse era o cenário da velha CPMF. Por outro lado, se a taxa de juros for baixa e a alíquota do tributo for alta, a teoria econômica sugere que haverá um processo relevante de desintermediação financeira. Os agentes financeiros passarão a optar por formas substitutas de realização de pagamentos, menos custosas do que a transação bancária tributada. Isso gera uma erosão da própria base tributária do imposto, tendo como efeito a queda progressiva da arrecadação.
Outro efeito indesejável desse tipo de tributo é a cumulatividade. É desejável que tributos com finalidade arrecadatória sejam neutros, ou seja, essas exações devem impactar o mínimo possível nas decisões econômicas dos agentes. Por esse motivo, tributos que incidem sobre a renda ou sobre o consumo são mais eficientes do que tributos que incidem sobre faturamento. Ainda que façamos a suposição (fantasiosa) de que um tributo sobre pagamentos não irá gerar uma fuga do sistema bancário, esse imposto será cobrado sobre o faturamento das empresas. Isso gera múltiplas tributações sobre as cadeias produtivas mais longas, induzindo à verticalização; as empresas passarão a se dedicar a atividades estranhas ao seu negócio principal, pois contratar um fornecedor ou terceirizar a atividade aumenta o custo tributário. Os recursos produtivos tendem também a se concentrar em atividades com maior margem, como serviços, e fugir de atividades com menor margem, como a fabricação e distribuição de produtos. Tudo isso gera perda de eficiência alocativa, o que tem impactos negativos importantes sobre a produtividade.
Outra questão importante é a incidência do tributo sobre transações financeiras sem substrato econômico. O caso mais relevante é o do crédito. O valor total das transações financeiras correspondentes à tomada e ao pagamento de empréstimos não constitui geração de renda – apenas o valor da taxa de juros. Havendo um tributo sobre transações financeiras, a base de cálculo dessa exação será o valor total da transação, gerando um enorme desincentivo a essas operações. As consequências são o desaparecimento de operações de crédito de curto prazo e uma significativa redução de operações de crédito de prazo mais longo, o que prejudica a produtividade e o nível de investimento do país (ver aqui).
O sistema tributário brasileiro atual tem problemas graves que precisam ser enfrentados com urgência. Há propostas que endereçam bem alguns desses problemas, como aquela elaborada pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). As propostas de instituição de um imposto único sobre transações financeiras, longe de solucionar os problemas tributários atuais, gera novos problemas potencialmente ainda mais graves.
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