Efeito da introdução de um imposto no equilíbrio de mercado

A tributação, partindo de uma perspectiva de filosofia política, pode ser entendida como o custo necessário para que um determinado membro de uma sociedade, regida e administrada por uma entidade estatal, possa usufruir dos benefícios gerados pelo firmamento do contrato social. Dentre os benefícios, temos: segurança pública, segurança jurídica — como direitos de propriedade —, educação pública, et cetera.

Ou seja, para manter a estrutura estatal e suas instituições em funcionamento é necessário uma fonte de financiamento — que deve ser coletiva, pois todos usufruem dos benefícios gerados pela sua existência. Nas palavras do filósofo político John Locke, no “Segundo Tratado sobre Governo Civil“: “É verdade que os governos não poderiam subsistir sem grandes encargos, e é justo que todo aquele que desfruta de uma parcela de sua proteção contribua para a sua manutenção com uma parte correspondente de seus bens.

Portanto, a tributação é necessária, desejável, e — em princípio — justa, para efeitos de convívio social. Mas, saindo da esfera política/social e partindo para a esfera econômica, quais são as consequências geradas pela introdução de um tributo/imposto para uma determinada economia?  Tentarei mostrar ao longo do texto a microeconomia por trás da tributação.

I – O equilíbrio de mercado

Em geral, o primeiro contato do estudante ou curioso da Ciência Econômica com o equilíbrio de mercado se dá pela interação com o processo de interseção entre as curvas de oferta e demanda num plano cartesiano: o modelo de equilíbrio parcial. Ou seja, o equilíbrio de mercado se dá no ponto em que, ao preço determinado, a quantidade ofertada de mercado é totalmente demandada. Isso ocorre justamente na intersecção entre as curvas de oferta e demanda de mercado.

De maneira resumida, a curva de demanda de mercado é encontrada pela soma horizontal das curvas de demandas marshallianas, obtidas pela solução do problema do consumidor. Em notação matemática:

Equação 1

De forma análoga, a curva de oferta de mercado é encontrada pela soma horizontal das curvas de oferta das firmas que compõem o mercado analisado. Ou seja, o somatório das curvas de Custo Marginal (CMg), dado que seja respeitada a condição de encerramento das firmas — a firma somente opera quando o preço de mercado é superior ao Custo Variável Médio (CVMe) na quantidade ofertada. Matematicamente, algo como:

Equação 2

Sendo assim, o equilíbrio de mercado ocorre quando:

Equação 3

Graficamente:

II – Deslocamentos das curvas de oferta e demanda

Dada a construção gráfica do modelo, é possível questionar como o preço de equilíbrio pode ser alterado. A mudança de equilíbrio no modelo de equilíbrio parcial se dá pelo deslocamento das curvas de oferta e demanda, que ocorrem devido a modificações em algumas das variáveis algébricas expostas anteriormente. 

Desse modo, podemos observar da Equação 1 que a curva de demanda D(p) está em função de três variáveis. Mas, como estamos representando graficamente a curva de demanda como sendo “quantidade do bem x” dado o “preço do bem x”, variações no preço do bem x provocam movimentos somente ao longo da curva. Ou seja, nesse caso, o “preço do bem y” e a “renda dos indivíduos” são exógenos, e modificações nos seus valores provocam o deslocamento da curva.

Por exemplo, um aumento geral na renda dos indivíduos — assumindo que o bem seja normal — provoca um deslocamento positivo da curva de demanda. De maneira semelhante, um aumento do preço do bem “y”, caso sejam substitutos, também provoca um deslocamento positivo da curva de demanda do bem “x”; já se os bens são complementares, há um deslocamento negativo.

Graficamente:

Deslocamento positivo de demanda.
Deslocamento negativo de demanda.

No caso da oferta agregada (Equação 2), sabemos que a curva de oferta competitiva de uma firma é a curva de Custo Marginal (CMg), a partir da quantidade em que o Custo Variável Médio (CVMe) é maior que o preço de mercado. Ou seja, a curva de oferta irá se deslocar dadas variações nas funções de custos das firmas. Sendo assim, se o preço de um dos fatores de produção aumentar, ou então houver a introdução de um imposto, haverá um aumento nos custos de produção e, portanto, um deslocamento negativo da curva de oferta. De modo análogo, uma redução nos custos de produção, ou então uma mudança na tecnologia de produção, reduzem o custo de produção, o que provoca um deslocamento positivo da curva de oferta.

Graficamente:

Deslocamento positivo de oferta
Deslocamento negativo de oferta

Podemos resumir os motivos dos deslocamentos pela seguinte tabela:

III – Efeito da introdução do imposto no modelo de equilíbrio parcial

Numa primeira análise, dado o que foi apresentado anteriormente, a introdução de um imposto pode ter dois efeitos. Se aplicado no processo produtivo, há o deslocamento negativo da curva de oferta. Se aplicado ao consumidor, há o deslocamento negativo da curva de demanda. Contudo, como será argumentado, as consequências econômicas independem da determinação jurídica de onde o imposto será aplicado, haja visto que tanto as firmas quanto os consumidores agem racionalmente e buscam maximizar seus excedentes. Desse modo, o deslocamento de qualquer uma das curvas, para uma mesma variação exógena, produz o mesmo resultado econômico.

Ou seja, para uma determinada firma particular, caso o tributo seja direcionado ao processo produtivo, repassar totalmente o valor do imposto para o consumidor pode não ser a decisão que maximiza o seu retorno, pois, devido ao aumento do preço em função do repasse, há também uma redução da quantidade demandada, o que diminui o lucro em termos absolutos. A redução no lucro em termos absolutos pode superar o valor do montante economizado com o repasse do imposto. Portanto, reduzir o preço — ou seja, dividir o ônus do imposto — aumentaria o lucro.

Então, o ônus do imposto acaba sendo dividido entre ofertantes e demandantes, e a proporção que cada um detém depende da inclinação das curvas de oferta e demanda do bem analisado. Ainda analisando da perspectiva de uma única firma, e supondo que ela se defronta com uma curva de demanda negativamente inclinada, o ajuste da produção e a determinação do preço segue a mesma dinâmica do caso do monopólio.

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Além disso, há outra consequência de ordem econômica. O imposto desloca os recursos da sociedade que antes eram empregados no processo produtivo — pois, há uma redução da quantidade produzida — para empreendimentos que a princípio não são economicamente atrativos, haja visto que, caso fossem atrativos, estes recursos seriam naturalmente alocados para este mercado em primeiro lugar. O custo desse deslocamento é chamado de perda de peso morto.

Desse modo, mesmo que o governo aplique a receita tributária sem que haja desvios ao longo do processo de alocação, não necessariamente os recursos serão empregados de maneira eficiente no sentido de Pareto. Contudo, há determinados mercados — sustentados por subsídios governamentais — em que o benefício social marginal da sua existência supera o custo marginal social do deslocamento dos recursos econômicos, dado pela tributação. Ou seja, é possível que haja empreendimentos que não são economicamente atrativos do ponto de vista do produtor, mas que geram excedentes sociais que mais do que compensam os seus custos sociais — em termos de perda de peso-morto.

Referências

VARIAN, H.R. Microeconomia: Uma Abordagem Moderna. 8.ed.

NICHOLSON, Walter; SNYDER, Christopher M.; Microeconomic Theory: Basic Principles and Extensions.  

MAS-COLELL, Andreu; GREEN, Jerry R.; WHINSTON, Michael D. Microeconomic theory.

PINDYCK, R.S.; RUBINFELD, D.L. Microeconomia. São Paulo: Makron Books, 7ª edição, 2010.

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