Escrito por Gabriel Ferraz em parceria com Savio Coelho.
After the U.S. experience during the Great Depression, and after inflation and rising interest rates in the 1970s and disinflation and falling interest rates in the 1980s, I thought the fallacy of identifying tight money with high interest rates and easy money with low interest rates was dead. Apparently, old fallacies never die.
Milton Friedman (1998)
Uma das principais ferramentas usadas para a estabilização do ciclo de negócios é o uso de política monetária pelo Banco Central. Mas o que isso quer dizer? Basicamente, entende-se que, em uma dada economia, há uma taxa natural ou estrutural de desemprego, onde todos os fatores de produção são alocados de forma ótima. Fases de expansão e recessão representam desvios dessa taxa natural. Cabe ao governo e à autoridade monetária suavizar esses desvios. E um dos jeitos de fazer isso é via política monetária.
Essencialmente, a lógica da política monetária é a de que, no curto prazo, dada a rigidez de preços, o Banco Central consegue, por meio de variáveis nominais, afetar variáveis reais. Ou seja, só com o ingresso de papel-moeda na economia é que podemos fazer ela crescer. Não entraremos aqui na questão de como uma variável nominal pode afetar uma real [para isso, recomendo Blanchard (2011)].
Cabe dizer que o Banco Central, na verdade, não controla (apenas) a moeda, mas os meios de pagamento. Alterando os meios de pagamento, o Bacen muda a oferta monetária na economia. Mas o que são os meios de pagamento? Em resumo, é o papel moeda em poder do público e depósitos à vista no sistema bancário. No jargão da política monetária, essas variáveis são chamadas de “M1”.
Até aqui, tudo certo. Em síntese, a política monetária é definida pela manipulação da moeda e dos meios de pagamento em benefício da economia. No caso, busca-se estimular, ou desestimular, a demanda agregada. Mal comparando, as autoridades monetárias operam como um marinheiro que, à frente do leme, busca, segundo o agitado movimento das marés, dar rumo de proa ao enorme navio da economia. Essa analogia é importante, pois política macro não é como um carro, cujo volante automaticamente muda o curso do veículo. A direção do carro está sob completo controle do motorista. No caso do navio, o marinheiro pode até manipular o transporte, mas quem dita as regras é o mar.
Os instrumentos pelos quais o Banco Central governa a política monetária são quatro: o compulsório, o redesconto, os empréstimos e os juros. Para saber mais sobre cada um, recomendo um livro de Contabilidade Social. Sugiro Paulani & Braga (2017).
O economista geralmente modela essas alterações nos meios de pagamento via juros, sendo o instrumento preferido dos modelos macro dado a sua praticidade. Mas, na verdade, o Bacen não controla os juros. Não é como se o Banco Central tivesse uma grande máquina que controla a porcentagem do juros. O que ele faz é influenciar nos preços dos títulos da dívida via operações de mercado aberto – e isso sim afeta o juro.
Assim, temos um canal de transmissão de moeda até os juros, e a partir deles, a autoridade monetária visa afetar a economia. Em geral, nos é ensinado que, ao aumentar os juros, essa autoridade está fazendo política contracionista, o que desemboca em um esfriamento da demanda agregada e uma consequente queda do produto. Já se os juros caem, temos uma política expansionista com o resultado de um aumento no produto.
Em regra, nada haveria de errado se não existissem outros vários canais, não necessariamente controlados pela autoridade monetária, através dos quais o dinheiro afeta os juros. Sendo assim, essa distinção rígida “juros alto = política contracionista” e “juros baixo = política expansionista”, se torna, quando não errada, enganosa.
A relação entre dinheiro e juro é mediada por quatro efeitos, que são: o efeito liquidez, o efeito renda, o efeito nível de preços e o efeito Fisher. Os dois primeiros efeitos são de curto prazo, portanto acontecem em um cenário de preços (e salários) rígidos, enquanto os dois últimos são efeitos de longo prazo e atuam em cenário de preços flexíveis.
Vamos falar destes efeitos, assumindo, em primeiro lugar, uma economia com absoluta flexibilidade de preços e que papel moeda, além de se igualar a dinheiro, não paga juros (o que faz, neste caso, a taxa de juro nominal representar perfeitamente o custo de oportunidade de segurar dinheiro). Essas hipóteses, embora irrealistas, nos ajudam a entender os fenômenos que ocorrem quando as flexibilizamos.
1. Efeito Nível de Preço
Antes de abordarmos o efeito propriamente, precisamos relembrar como calculamos o valor do dinheiro. Basicamente, o valor do dinheiro pode ser aproximado como o inverso do nível de preços de uma economia. Por exemplo, em uma economia que transaciona um único bem que vale 10 unidades monetárias, o valor do dinheiro é 0,1.
Dito isso, suponhamos que o Banco Central dobre a oferta monetária: como isso afetaria os preços? Tomando por base preços flexíveis, uma mudança dessa ordem derrubaria o valor do dinheiro pela metade. E os juros? Bem, como se supõe preços flexíveis, a demanda por moeda dobraria junto. Consequentemente, as pessoas, quando submetidas a esses incentivos, preferem carregar o dobro de dinheiro – o que, para encurtar a história, mantêm inalterados o custo de oportunidade de segurar dinheiro e o juro nominal.
Para transpor esse cenário irrealista à economia como todos conhecemos, basta lembrar que, no longo prazo, os preços são, de fato, flexíveis. Logo, uma vez que os preços e salários se ajustarem, mudanças de um único período na oferta de moeda não afetam a taxa de juros.
2. Efeito Fisher
Geralmente, se associa erroneamente o efeito com a identidade que o economista Irving Fisher desenvolveu. A identidade é a que se segue:
(1 + i) = (1 + r)(1 + \pi) \Rightarrow i \approx r + \pi
Em que i é a taxa de juros nominal, r a taxa de juros real e \pi a taxa de inflação. Para valores pequenos, podemos dizer que i = r + \pi.
Essa equação é uma identidade. Em outras palavras, quando olhamos para os dados, ela tem que estar correta por definição. É só um desdobramento dos termos em questão. O efeito Fisher é uma teoria que explica como essas variáveis interagem entre si. Ou seja, o efeito provê mecanismos de transmissão de como a inflação é embutida na taxa nominal de juros.
A lógica é simples. Sabemos pela teoria quantitativa da moeda (para saber mais sobre essa teoria, recomendo esse texto e esse) que um aumento de um período da oferta monetária acarreta em um aumento dos preços proporcionais neste período, mas não haverá inflação maior nos períodos seguintes. O efeito teorizado por Fisher acontece quando há um aumento permanente na oferta monetária, o que implica em um aumento da taxa de crescimento dos preços. Em síntese, essa economia com mais moeda vai experienciar um aumento na taxa de inflação, que uma vez que é antecipada pelos agentes, aumenta a taxa de juros nominal dado o aumento do custo de oportunidade da retenção de dinheiro.
Então, para sermos justos, a equação que melhor representa o efeito Fisher considera não a inflação per se, mas sua taxa esperada. Novamente, para transpor esse cenário irrealista à realidade, basta lembrar que, no longo prazo, os preços são de fato flexíveis – o que implica que, uma vez que os preços e salários se ajustam, mudanças permanentes na oferta de moeda acarretam em uma variação na inflação esperada, que, por sua vez, é filtrada na taxa de juros para refletir o novo custo de oportunidade de segurar dinheiro. A direção da variação da oferta vai ditar se o juro vai subir ou não.
3. Efeito Liquidez
Agora deixamos o mundo dos preços flexíveis para irmos para o mundo dos preços e salários rígidos do curto prazo. A título de simplificação, manteremos a hipótese de papel moeda como dinheiro que não rende juros. Tendo dito isso, o que acontece agora se o Bacen expandir a oferta de moeda?
Pode parecer que o Banco Central está forçando as pessoas a segurarem mais moeda do que elas gostariam. Mas, felizmente, nenhum banco tem esse poder. Vale dizer que o Bacen tampouco tem o poder de forçar os bancos comerciais a possuírem reservas maiores. Então o que faz as pessoas segurarem mais dinheiro do que elas precisam a um mesmo nível de preços?
Justamente a taxa de juros nominal! Como ela representa o custo de oportunidade de segurar dinheiro, quando a oferta dobra, a taxa de juros cai. Ela cai tanto que agora as pessoas estão dispostas a reter maior liquidez, isto é, maiores quantidades de saldos reais de caixa.
No longo prazo, sabemos que, quando o nível de preços se ajustar à quantidade de moeda injetada, a curva de demanda por dinheiro vai se deslocar para a direita, trazendo a taxa de juros ao seu ponto original. Então, enquanto os preços forem rígidos, e tão somente nesta condição, o efeito liquidez vai afetar a taxa de juros.
4. Efeito Renda
O efeito renda reflete a sensibilidade da taxa de juros ao ciclo de negócios. Em razão da rigidez salarial de curto prazo, uma mudança na oferta monetária tem um efeito no PIB real da economia, isto é, na renda real desta. Como a demanda por crédito é sensível ao ciclo de negócios, uma política monetária que cria um boom, ou uma recessão, é capaz de afetar a taxa de juros, mesmo em um cenário de inflação esperada baixa.
Imagine um cenário de política monetária contracionista que leve um país à recessão. Dado este cenário, as firmas dessa economia iriam ter pouco motivo para tomar crédito para expandir seus empreendimentos. Além de que ainda menos pessoas iriam pegar empréstimos para fazer compras num cenário recessivo – afinal, a demanda agregada é contraída. Portanto, essa queda vertiginosa na demanda por crédito desdobra-se na queda dos juros, acontecendo o contrário num cenário de boom.
Todavia, essa explicação do efeito não esgota sua compreensão. Para entender mais profundamente o efeito renda da modificação da taxa de juros de uma economia, primeiramente é necessário entender alguns conceitos.
Em economia, é natural que se trabalhe com a ideia de restrição orçamentária. Os indivíduos possuem preferências virtualmente infinitas, porém os recursos disponíveis no universo físico e tangível são limitados. Dessa forma, as preferências individuais estão restritas pela limitação dos meios disponíveis para atingir os fins desejados. Os economistas neoclássicos mais antigos chamavam essa situação de condição de escassez.
De maneira simplificada podemos dizer que a restrição orçamentária natural de um indivíduo é que suas opções sobre o que fazer com sua renda são limitadas pela disponibilidade da mesma renda. Por mais que você deseje, não é possível comprar o novo Iphone se o preço do mesmo superar sua renda disponível ou, mais precisamente, se o custo para adquirir o mesmo significar abrir mão do consumo de outros bens mais vitais para você, como alimentação, vestuário ou qualquer coisa que julgue mais importante.
Em geral, podemos dizer que as fontes de renda de um indivíduo são seu salário e rendas financeiras via aplicações em capital ou títulos (incluídas, neste último, formas tanto de renda fixa como variável). Já do ponto de vista do que ele pode fazer com a mesma renda, podemos afirmar que o mesmo pode escolher entre consumir ou poupar. Podemos dizer então que a restrição orçamentária de um indivíduo é dada, analiticamente, por:
Ct + (Ft/P + Kt) – (Ft-1/P + Kt-1) = (w/P)Lt + it(Ft-1/P + Kt-1)
Onde C é o consumo de um indivíduo, F/P é o retorno real dos títulos, K são seus ativos de capital, w é seu salário, L são as horas-trabalho efetivamente pagas e i é a taxa de juros. A base t é usada para indicar o período atual de tempo, enquanto que t-1 indica o período imediatamente anterior. O termo (w/P)Lt indica o salário por horas trabalhadas no período atual e simboliza a renda de trabalho para esse indivíduo. Já o termo it(Ft-1/P + Kt-1) simboliza os títulos e ativos de capital poupados por um indivíduo em um período anterior e levados para momento presente, onde irão gerar fluxos de renda por meio de juros pagos sobre o consumo não realizado (a famosa recompensa pela abstinência do consumo). Juntos, os dois termos no lado direito de nossa equação simbolizam a renda efetivamente ganha pelo indivíduo. Já do lado esquerdo, temos as opções de uso da renda pelo indivíduo. O termo Ct é de fácil compreensão, pois simboliza o consumo presente do indivíduo. Por sua vez, o termo composto (Ft/P + Kt) – (Ft-1/P + Kt-1) representa a diferença entre ativos presentes e do período anterior; ou seja, ele é o total de ativos não consumidos para o período (a poupança desse indivíduo).
Note que o juro afeta a restrição orçamentária dos indivíduos, influindo na renda de títulos e ativos de capital do período anterior. Podemos quebrar esses termos por meio da propriedade de distribuição em it(Ft-1/P) e it(Kt-1). Consideremos agora cada novo termo individualmente. Uma vez que it(Ft-1/P) simboliza a renda de títulos e aplicações financeiras, podemos dizer que a renda de juros é positiva para um emprestador, porém negativa para um tomador de empréstimo. Quando os juros sobem, o emprestador vê sua renda aumentar sem que o montante original emprestado sofra modificação, enquanto que o tomador se vê agora com mais custos a pagar.
É plausível supor que, em um horizonte de tempo suficientemente longo, deve ocorrer um equilíbrio entre esses dois lados. Se os emprestadores cobrarem uma carga de juros alta demais, poucos irão tomar empréstimos e isso reduzirá o lucro potencial da renda disponível. Igualmente, se os tomadores pagarem poucos juros por montante emprestado, ninguém terá incentivos a abrir mão do consumo de outras coisas para realizar o empréstimo. Dessa forma, podemos dizer que, no longo prazo, a tendência é que a renda dos empréstimos se iguale à capacidade de pagamento, de forma que a variação da taxa de juros não terá efeito sobre a propensão à reserva financeira para este fim. Uma vez que os ganhos de renda para uma variação de juros tendem à neutralidade, dizemos que o efeito renda da variação de juros sobre os ativos financeiros tende a zero.
Analisemos agora o capital. Os indivíduos também recebem rendas de juros sobre os ativos de capital. Isso ocorre em razão da recompensa pela não utilização do capital no período anterior (o que alguns chamam de rental price of capital). Ao mesmo tempo, é curiosa a maneira pela qual não podemos assumir que o capital tende a um equilíbrio neutralizante onde o mesmo tende a zero. O estoque de capital de uma economia sempre é maior do que zero e a demanda dos indivíduos é sempre positiva. Os economistas denominados “clássicos” chamavam esse fenômeno de acumulação de capital. Assim, podemos dizer que a variação de juros sobre os ativos de capital causa um aumento de renda e do bem estar.
Considerando que a variação de renda decorrente de aumento de juros sobre ativos seja zero, mas que a oscilação sobre capital seja positiva, mantendo tudo mais constante, podemos dizer que o efeito da variação positiva dos juros é um aumento da renda disponível para o período.
Agora podemos trabalhar o Efeito Renda adequadamente. Usualmente se pressupõe que uma variação positiva nos juros significará uma redução no consumo. Em geral, isso é assumido por meio do pressuposto de que juros mais altos incentivam as pessoas a pouparem (ou seja, a não consumirem em momento presente e a pouparem para o período posterior). Contudo, o que a restrição orçamentária nos ensina é que, ao mesmo tempo em que uma alta dos juros derruba o consumo, ela também tem um efeito renda positivo, pois afeta a renda disponível dos ativos de capital. Assim, com esse aumento de renda disponível, é esperado que os indivíduos consumam mais quando os juros sobem! Logo, o Efeito Renda nos diz que, por uma análise pura, não é possível dizer se o consumo irá cair ou subir devido a uma alta de juros. Tudo dependerá da força com que o Efeito Renda impõe sobre os demais.
Juntando todos os efeitos
Segundo Sumner (2021, p. 165), em períodos de inflação alta e volátil, o Efeito Fisher vai dominar os outros no seu impacto na taxa de juros. Em períodos de inflação baixa e estável, o Efeito Renda vai dominar os outros no seu impacto na taxa de juros. Embora sejam os mais estudados durante a graduação, os efeitos Nível de Preços e Liquidez são os que têm menor impacto.
Dito isso, é preciso ter cautela ao considerar os juros o principal indicador da política monetária. Não propriamente pelos efeitos que afetam esse indicador, que geralmente não estão sob o controle da autoridade monetária, mas pelos descuidos a que se está sujeito quando os catapultamos à condição de protagonista. O BC se submete a metas de emprego e de inflação. E não de juros. Estes são apenas uma ferramenta para se chegar ao resultado desejado.
A maioria dos movimentos que observamos na taxa de juros hoje são uma consequência de efeitos de longo prazo, tais como o Efeito Fisher. É preciso lembrar que a distinção de longo prazo e curto prazo não é a mesma que de eventos correntes e eventos futuros, uma vez que, agora, os movimentos que estamos presenciando nos indicadores macroeconômicos são consequência de decisões de longo prazo da autoridade monetária e/ou governo, além da influência de eventos que não estão sob controle de ninguém.
Então o que nos resta saber é como avaliar a política monetária adotada pelo Bacen. Afinal, já mostramos que a distinção rígida “juros alto = política contracionista” e “juros baixo = política expansionista” é enganosa. E que a taxa de juros talvez não seja o melhor indicador para avaliar a política da autoridade monetária. Pelo que está claro, hoje vivemos o efeito de longo prazo de políticas passadas.
Qual é o melhor indicador? A verdade é que o indicador fica ao gosto do freguês. Mas gostaria de salientar que, mesmo assim, é preciso pragmatismo. Talvez, o ideal seja avaliar o quão contracionista (ou expansionista) é uma política em relação às metas do Banco Central. Para esse tipo de expediente, taxas como a de crescimento do PIB nominal podem ser muito úteis.
Recapitulando
Política monetária diz respeito à expansão e/ou diminuição dos meios de pagamento feita pelo Banco Central, de modo que, dada a rigidez de preços, a maior quantidade de moeda na economia estimula os agentes a comprarem, investirem, etc. A taxa de juro geralmente é vista como indicador dessa política. Entretanto, isso é problemático na medida em que observamos hoje efeitos de longo prazo de políticas (e eventos) pretéritos. Espero que tenha gostado e até a próxima!
Referências
Blanchard, Olivier. “Macroeconomia. Trad. de Luciana do Amaral Teixeira.” (2011).
Paulani, Leda Maria, e Márcio Bobik Braga. “A nova contabilidade social.” Saraiva Educação SA, 2017.
Sumner, Scott. “The Money Illusion: Market Monetarism, the Great Recession, and the Future of Monetary Policy.” University of Chicago Press, 2021.
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