O desenvolvimento da ciência ocidental é baseado em duas grandes conquistas: a invenção do sistema lógico formal (na geometria euclidiana) pelos filósofos gregos, e a descoberta da possibilidade de encontrar relações causais por experimentos sistemáticos (durante o renascimento).
Albert Einstein (1953, apud Judea Pearl, 2009).
A visão mais tradicional resume as funções da análise empírica em economia em três: teste de hipóteses, previsão e identificação de causalidade. Mas por que tais funções não podem ser desempenhadas pela lógica-textual ou pela formulação matemático-teórica? Para responder essa pergunta, listo aqui razões não exaustivas e apenas ilustrativas de situações em que somente a análise empírica pode ampliar nosso entendimento sobre determinadas questões.
1. Testar se variáveis que escaparam à análise teórica impactam na variável de interesse
Estou chamando de análise teórica o momento que você literalmente para e pensa sobre o seu problema, e eventualmente constrói algumas relações lógicas ou um modelo matemático que te ajuda a ter insights sobre a questão. A análise teórica, em geral, precede a análise empírica. No entanto, é muito comum situações em que após a análise empírica o modelo teórico seja reformulado, ou então que na construção das hipóteses teóricas já se recorra à análise empírica.
Porém, não importa o quão genial ou especialista você seja em determinado assunto, é sempre possível que você não considere (ou se recuse a considerar) que uma determinada variável impacta na sua variável de estudo.
Um exemplo claro disso é o de que existe discriminação racial no mercado de trabalho. Segundo nossos modelos teóricos de microeconomia, é difícil encontrar alguma explicação para que dois indivíduos iguais em suas características e diferentes apenas em sua etnia recebam salários diferentes e que essa diferença permaneça em um ambiente de mercado próximo a uma competição perfeita (que é o caso do mercado de trabalho). Nesse sentido, a análise empírica contribui descobrindo variáveis que impactam no nosso objeto de estudos que escapou à análise teórica. (Veja por exemplo “Desigualdade salarial entre raças no mercado de trabalho urbano brasileiro: aspectos regionais”).
2. Precisar a força das relações entre as variáveis
Sabemos dos nossos modelos teóricos que o preço de uma mercadoria varia conforme a quantidade demandada, e que a receita tributária varia conforme a atividade econômica. Porém, a análise teórica pode dizer muito pouco acerca da magnitude desses impactos. Quando muito ela pode nos dizer limites inferiores ou superiores para esses efeitos.
Podemos citar diversos exemplos nesse sentido, mas os casos mais evidentes são os de relações de elasticidades. Um exemplo de grande interesse para a política econômica é estimar o quanto a arrecadação tributária varia conforme a atividade econômica. (Veja por exemplo “Estimando a elasticidade-renda da arrecadação tributária federal”).
3. Eliminar (ou diminuir) vieses de confirmação na elaboração teórica ou na prática econômica
É natural que na análise teórica desenhemos as relações e os modelos conforme acreditemos que aquele seja o funcionamento do mundo a priori. Porém, a análise empírica é indispensável para a reformulação teórica e a mitigação de relações exageradas postas a princípio.
Já na prática econômica, os danos podem ser maiores que uma má fama na academia. Um exemplo é a de previsão de receitas pelos governos. Na elaboração da Lei Orçamentária Anual, o chefe do executivo pode ter interesse em fazer uma previsão mais alta do que a que se espera para fins de alocação de possíveis despesas no orçamento. Nesse sentido, um bom modelo de previsão de receitas implica que a média dos erros de previsão seja zero, eliminando assim qualquer viés que o policy maker possa ter na hora de realizar sua previsão. (Veja por exemplo “Uso da metodologia de combinação de previsões para projeções da arrecadação de receitas brutas primárias de tributos federais”).
4. Verificar regularidades gerais, afirmando ou negando evidências anedóticas
O debate público é dominado pelo uso de evidências anedóticas ou de contrafactuais não razoáveis. A análise empírica ajuda a identificar se aquela evidência anedótica se mantém para uma amostra maior e define critérios para classificação de um bom contrafactual.
Certamente você ouviu de algum amigo que após a cobrança da taxa de bagagem, os preços das passagens aéreas não diminuiram (ou até aumentaram). Com certeza houve alguma companhia e/ou linha aérea em que de fato isso aconteceu, no entanto, essa evidência anedótica não é corroborada quando se expande a análise. (Ver “Estimativas do Efeito da Taxa de Despacho de Bagagem”).
5. Compreender o tamanho do seu erro teórico (seja por limitação do conhecimento/das variáveis ou pela aleatoriedade do problema)
Sabemos que os modelos são simplificações da realidade, mas nunca sabemos a priori o quanto estamos simplificando. O R-quadrado, medida do quanto da variabilidade dos dados você está conseguindo explicar com o seu modelo de regressão, ajuda a esclarecer o quanto ainda não conseguimos explicar de um determinado fenômeno. Um R-quadrado pequeno pode indicar que a aleatoriedade do problema é muito predominante ou que ainda temos outras variáveis que ajudam a explicar o fenômeno e que ainda não estamos levando em consideração.
Parte relevante do desenvolvimento da teoria do crescimento econômico se deu a partir da tentativa de diminuir o tamanho da produtividade total dos fatores, ou “a medida da nossa ignorância”, que é nada mais do que o tamanho do erro no modelo de regressão. Modelos que incluíram a educação e avanço tecnológico apresentavam maior aderência aos dados, e foram aos poucos se tornando dominantes no assunto. (Ver “Introdução à teoria do crescimento econômico”, Charles Jones, capítulo 3).
6. A discussão teórica frequentemente chega a impasses que somente a análise empírica pode resolver
A reunificação da Alemanha Ocidental e Oriental pós-queda do muro de Berlim atrapalhou o crescimento econômico da Alemanha Ocidental? Existe viés anti-credor nas decisões sobre empréstimos no judiciário brasileiro? A redução da velocidade máxima permitida nas vias de São Paulo diminuiu o número de acidentes?
Em todos esses casos é possível fazer bons argumentos e hipóteses para defender qualquer posição. Frequentemente a análise teórica esbarra na limitação de não conseguir delimitar qual impacto é mais relevante. Não à toa o economista teórico é conhecido como aquele que responde “depende” para qualquer questão. (Veja “Comparative Politics and the Synthetic Control Method”, “Nem Robin Hood, nem King John: testando o viés anti-credor e anti-devedor dos magistrados brasileiros” e “O impacto da redução da velocidade máxima permitida sobre os acidentes de trânsito: evidências para a cidade de São Paulo”).
7. Identificar efeitos causais
Podemos dizer, num sentido amplo, que todos os casos anteriores são casos particulares da identificação do efeito causal. Conseguir identificar efeitos causais é um dos problemas mais complicados da existência humana, sendo um desafio também para a análise empírica.
A lógica-textual, e mesmo a matemática em certo sentido, é definida em relações de necessidade e suficiência. Essas relações, no entanto, são postas de maneira inequívoca: se pulo de um prédio, então eu morro, eu pulei de um prédio, logo eu morri. O problema é que, na vida real, existe uma série de exceções não claras e não explícitas na formulação teórica que podem não levar com 100% de certeza para o resultado. Eu poderia ter pulado de paraquedas. Você dirá: “ora, então adicionemos todas as exceções ao modelo teórico”, mas aí voltamos ao problema do item 1.
As relações de igualdade dos modelos matemáticos são bi implicações (se, e somente, se), o que permite que a relação de causalidade seja invertida sem problemas para o modelo. É o caso clássico de “poupança gera investimento ou investimento gera poupança?”
De fato, identificar causalidades é realmente muito complicado. Nos temas relacionados à macroeconomia mais ainda: como há muitas coisas ocorrendo ao mesmo tempo, é difícil garantir que não haja viés de variável omitida (uma das hipóteses do modelo de regressão linear clássico). Mas, mesmo assim, conseguimos resolver uma questão um pouco menor, mas também relevante, de precedência temporal, através da causalidade de Granger. O que vem antes: o aumento de produtividade ou o aumento da educação? A evidência parece indicar que este último vem primeiro (veja “A causality analysis of the link between higher education and economic development”).
Na microeconometria temos alguns desenhos de políticas que podem ser demonstrados como efeito causais, como regressão descontínua, diferenças em diferenças, propensity score method, etc. Se uma determinada política que você esteja analisando se enquadre em um desses desenhos, comemore, você pode encontrar causalidade aí. Exemplos de aplicações desses métodos podem ser encontrados em “Impacto de políticas de exigência de conteúdo local: o caso do programa inovar-auto”, “Controle sintético como ferramenta para avaliação de políticas públicas”, “Impacto da desoneração da folha de pagamento sobre o emprego: novas evidências” (Veja “Econometric analysis of cross section and panel data”, Jeffrey Wooldridge, cap. 18 na primeira edição e cap. 21 na segunda).
Conclusão
Claro que a vida seria muito mais fácil se fosse possível desenhar experimentos controlados, mas nem sempre isso é possível, moralmente desejável ou vale o custo. Não é todo dia que encontramos experimentos aleatórios também, daí novamente a importância da análise empírica.
Por fim, é preciso ressaltar que a análise empírica é fundamentalmente guiada pela análise teórica, e que de nenhuma maneira esse texto tenta minimizar o valor desta última. Pelo contrário, ressaltamos que foi através da combinação dessas duas poderosas ferramentas que pudemos avançar nosso entendimento a respeito da ciência econômica.
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