A desigualdade econômica é cada vez mais um assunto debatido pelo público, como ilustrado pelo movimento Occupy Wall Street decorrentes da crise de 2008. Mas também o é pelo público acadêmico, por exemplo com os trabalhos do economista Thomas Piketty. A primeira questão a se levantar quando se traz aos holofotes esse tópico é justamente saber por qual motivo estudar desigualdade? Qual é a relevância de se estudar esse tópico? Além disso, a óbvia questão: o que é desigualdade econômica?
Antes de adentrarmos nessas questões com um nível de detalhe maior, nos apropriando de uma leitura próxima do livro-texto de Ray (1998), vamos limpar o terreno, focando em assuntos basilares para assim produzirmos uma discussão mais frutífera e profunda. Em primeiro lugar, há duas razões para se preocupar com desigualdade: uma intrínseca e outra funcional.
Ou seja, podemos nos preocupar com a desigualdade porque ela é em si mesma moralmente problemática, independentemente de demais considerações, ou podemos nos preocupar com o impacto funcional da desigualdade na economia, i.e., a desigualdade é ruim na medida em que ela gera resultados ruins. Por exemplo: algo acontece que faz com que os resultados dos agentes não sejam frutos das escolhas dos mesmos e por isso estão sistematicamente piores do que se não houvesse essas barreiras. Neste caso, se eliminássemos essas barreiras, a desigualdade resultante, fruto das escolhas dos indivíduos, não seria problemática, o que implica que a desigualdade não seria o problema. O problema seria, isso sim, o mecanismo gerador desta desigualdade.
Após definirmos qual nosso interesse na pesquisa em desigualdade, é necessário se perguntar sobre como medir a desigualdade. Medidas focadas exclusivamente na renda dos indivíduos é insuficiente para analisar esse tópico.
Por que se preocupar com a desigualdade?
É preciso sempre ter em mente, que o que os economistas se importam não é a desigualdade de renda, mas a desigualdade econômica, i.e., estão preocupados com o que os indivíduos realmente se importam, que é o seu nível de bem-estar. Ou seja, os economistas entendem a desigualdade econômica como um fator que impacta no nível de bem-estar dos indivíduos. Mas há motivos para acreditar que a desigualdade é um problema em si mesma?
Primeiramente, é um tanto intuitivo pensar que desigualdade é um problema. Isso se deve pelo fato de associarmos a ideia de desigualdade com a ideia de um nível mínimo de bem-estar ou nível mínimo de renda que permite ter o nível mínimo de bem-estar, sendo que associamos um nível (mínimo) de dignidade humana a esse nível mínimo de bem-estar. Ou seja, as pessoas se preocupam com o fato de que os indivíduos não deveriam estar nesse nível baixo de dignidade humana por uma questão normativa. [Por exemplo, tomamos todos os indivíduos como iguais e desejamos que estes tenham as mesmas capacidades para alcançarem o florescimento humano, ou seja, sejam igualmente capazes de alcançar por meio das suas escolhas (e apenas delas) o seu conceito individual de uma boa vida; que a diferença entre indivíduos iguais seja fruto somente de suas preferências e escolhas].
No entanto, temos que separar a questão da desigualdade da questão da pobreza, pois os dois fenômenos são separados e diferentes, dado que podemos ter uma enorme desigualdade e nenhuma pobreza, por exemplo em uma sociedade em que o indivíduo com o menor nível de bem-estar (relativo) é o Jeff Bezos, assim como uma sociedade com enorme pobreza e nenhuma desigualdade, por exemplo em uma sociedade comunista que alcançou a igualdade plena. Então fica a pergunta: será que quando separamos a questão da desigualdade e da pobreza, existe ainda um problema na desigualdade em si mesma?
Quando pensamos com cuidado sobre a questão da desigualdade, geralmente associamos o problema desta com uma questão de injustiça no mundo. A desigualdade demasiada não seria desejável pois existe alguma injustiça que faz com que o destino dos indivíduos seja decidido por razões não meritocráticas, e portanto o resultado das escolhas dos indivíduos são fruto de coisas além dessas próprias escolhas, fazendo com que as oportunidades não sejam iguais para todos.
Porém, se essa é a razão que nos leva a se preocupar com a desigualdade, então a desigualdade não é em si o problema, mas sim as injustiças do mundo que fazem com que os indivíduos não tenham oportunidades iguais. Portanto, nesta linha de raciocínio, a desigualdade é um problema na medida que é um reflexo de um sistema injusto e arbitrário, que falha em prover oportunidades iguais para indivíduos iguais. Então o problema a ser atacado deve ser essa arbitrariedade que está afetando sistematicamente os indivíduos.
Um paralelo a esse raciocinio é a pena de morte. Muitos argumentam contra a pena de morte pois o sistema legal e de condenação é um sistema que esta sujeito a falhas, consequentemente ele pode condenar inocentes. Quando reconhecemos isso, é possível que inocentes sejam condenados a pena de morte, assim dando uma pena excessivamente severa para alguém que não merece. Então as pessoas vão ser contra a pena de morte não porque são “intrinsecamente” contra a pena de morte, mas porque elas reconhecem que o sistema pode ser injusto e alguém pode ser condenado a pena de morte sendo inocente, o que seria um erro muito grande na medida em que é uma pena muito severa para se conviver com um sistema imperfeito.
Para fazer esse paralelo com a pena de morte, suponha a seguinte situação: um sistema de punições tão severo que desincentiva qualquer tipo de crime que leve à pena de morte, e.g., um crime hediondo. Suponha que se usarmos pena de morte para crimes hediondos, ela é um desincentivo tão grande a esse tipo de crime que acaba-se evitando todo tipo de crime hediondo. Então tal política será um incentivo tão forte que ninguém vai cometer um ato condenável a pena de morte, ou seja, a própria medida gera um esquema de incentivos com sua implementação que a torna inútil, no sentido de nunca ser aplicada. Uma pessoa que é intrinsecamente contra a pena de morte, ainda assim nessa situação deveria ser contra a pena de morte. Ser intrinsecamente contra a pena de morte é justamente ser contra tal medida por princípio.
Se levarmos essa ideia para a discussão da desigualdade, de que ela é indesejável pois reflete algum tipo de injustiça, isso implica que a preocupação não é com a desigualdade, mas com a injustiça nesse sistema. Então, se estamos realmente preocupados com a desigualdade, deveríamos levar nosso argumento ao limite. Primeiro temos que separar desigualdade da pobreza, ou seja, mesmo quando o indivíduo mais pobre tem uma dignidade grande o suficiente (em relação ao mínimo socialmente aceitável), ainda estaríamos preocupados com a desigualdade. Segundo, não estamos preocupados com as consequências que a desigualdade gera para a economia. Estamos avaliando a questão da preocupação com a desigualdade por princípio. Tendo em vista essas considerações, teríamos motivos para se preocupar com a desigualdade em si?
Imagine uma economia que é absolutamente meritocrática e com total igualdade de oportunidade. Assim, todos os indivíduos nessa economia têm as mesmas oportunidades, no sentido de que a natureza escolhe para cada indivíduo determinada produtividade e talento. Entretanto, mesmo o indivíduo mais incapaz ainda assim possui um nível de capacidade o suficiente para receber um nível de bem-estar além do mínimo socialmente aceitável.
Pensemos que estamos em um dado sistema de alocação de recursos – em uma economia – em que os indivíduos ganham exatamente o equivalente à contribuição que dão para a sociedade. Suponha também que todos os indivíduos tenham as mesmas oportunidades, mesmo que as suas capacidades sejam heterogêneas. Entretanto, ainda que consideremos essa heterogeneidade, o bem-estar do indivíduo menos produtivo é muito maior que o nível mínimo de dignidade. Será que nessa situação ainda estaríamos preocupados com a desigualdade?
Neste cenário, a desigualdade mapeia a capacidade do indivíduo de entregar algo que é desejável pela sociedade e, por ser uma sociedade totalmente meritocrática, o indivíduo ganha proporcionalmente a essa capacidade. Alguém que seja intrinsecamente contra a desigualdade ainda neste contexto seria a favor de um sistema de transferência de renda de modo a equalizar os níveis de bem-estar da sociedade.
Ao se colocar a questão da desigualdade nesses termos, muitas pessoas admitem que o problema da desigualdade é funcional, não intrínseco. Entretanto, os indivíduos não pensam apenas em si mesmos, mas também na família e herança. Ou seja, em termos econômicos, os indivíduos se preocupam com o bem-estar próprio e de seus descendentes.
Vamos considerar que os indivíduos sejam avessos ao risco (i.e, não gostam de flutuações nos seus níveis de bem-estar), seja o seu ou de sua dinastia. Ou seja, um gráfico relacionando algum bem x com a sua utilidade seria desa forma:
Neste caso, estamos considerando um cenário no qual envolve incerteza. Para resolver esse problema associa-se uma distribuição de probabilidade para os estados-de-natureza que um indivíduo enfrenta. Por exemplo, suponha que o indivíduo que pensa em ir a um parque de diversão no fim de semana, mas teme que nesses dias irá chover. Atribui-se uma probabilidade no estado de natureza em que se chove, p, e para aquele que não chove, 1 – p. Desta maneira, pode-se traduzir o problema ao modelo canônico, mas ao invés de simplesmente maximizar a utilidade (pode-se ler mais sobre aqui e aqui), se maximiza a utilidade de cada estado de natureza ponderada pelas probabilidades desses estados se realizarem, i.e., a utilidade esperada [para saber mais sobre o assunto, recomendo Nicholson & Snyder (2012)]. Se pensarmos desta forma, podemos construir um argumento denominado de mercado das almas.
Por qual motivo as pessoas se preocupam com a desigualdade própria e de seus descendentes? Pois, por serem risco-avessas (têm função de utilidade côncava e preferências convexas) prefeririam algum sistema de transferência de renda. Mas por quê? O motivo é bastante simples: se o indivíduo vai ter um descendente, o qual ele se preocupa com seu nível de bem-estar futuro, então se existe a possibilidade deste indivíduo ter capacidade menor, sendo portanto incapaz de contribuir muito para a sociedade, então isso tem como desdobramento que seus níveis de bem-estar vão refletir sua contribuição menor e não suas preferências. Dada a aversão ao risco do indivíduo, que é avesso a flutuações em seu nível de bem-estar e dos seus descendentes, é possível que ele deseje um sistema de seguro, justamente para que sua dinastia possua a renda que se alia a suas preferências independentemente de quanto de fato contribuem para sociedade.
Tal seguro funcionaria da seguinte forma: os indivíduos fazem um contrato social no qual aqueles com níveis de bem-estar social mais altos vão compensar os indivíduos com níveis de bem-estar mais baixos, de modo a suavizar as flutuações potenciais no bem-estar das gerações futuras, dado que o parâmetro de produtividade é aleatoriamente provido pela natureza. Portanto, neste cenário, tem-se uma razão normativa para se preocupar intrinsecamente com a desigualdade, dada a heterogeneidade arbitrária entre os indivíduos. Chamamos esse sistema de seguro de mercado das almas, uma vez que essa sociedade está preocupada com pessoas que ainda nem existem e potencialmente nem venham a existir.
Vale notar que esse cenário só ocorre condicionado às preferências dos indivíduos, i.e., supondo aversão ao risco. Além disso, este seguro pode potencialmente ter efeitos funcionais na economia, o que faz com que aqueles que estão preocupados intrinsecamente com a desigualdade precisam refletir se mesmo assim devem realizar tal contrato. Apresentando-se, assim, o trade-off entre eficiência e equidade. Aqui é uma reflexão das intuições morais dos indivíduos e, portanto, a posição decidida reflete os seus posicionamentos em relação à adoção de um dado sistema normativo.
Outra razão para se preocupar com a desigualdade é de caráter funcional, ou seja, como falamos, essa desigualdade reflete um mal funcionamento do sistema de alocação, portanto, a desigualdade é apenas um sintoma de um problema que verdadeiramente nos importa. Um exemplo é que em sociedade desiguais há maiores níveis de violência, ou, talvez, altos níveis de desigualdade acarretam o mal funcionamento de certos mercados (por exemplo, o mercado de créditos), o que se desdobra em um menor nível crescimento e assim por diante.
Mas independentemente da razão para nos preocupar com a desigualdade, ainda assim temos que lidar com o desafio de como medir a desigualdade econômica, i.e., como medir disparidades de bem-estar entre os indivíduos. É preciso, então, ter clareza do seguinte:
Em última instância, a desigualdade econômica é o nosso foco, uma vez que é isso que os indivíduos fundamentalmente se preocupam – não com a quantidade de unidades monetárias que eles possuem. Mas então, porque damos tanta importância para a desigualdade de renda? Pois temos um problema a resolver: como mensurar o bem-estar. A renda nos ajuda nessa problemática.
Como medir o bem-estar?
Geralmente, usa-se renda como proxy para bem-estar. Mas será que de fato é uma boa proxy? Vamos avaliar tal questão usando o modelo canônico de microeconomia em uma economia com dois bens de consumo e um indivíduo. [Para saber mais desse modelo, recomendo (novamente) este texto].
Esse é o problema clássico de microeconomia de maximização da utilidade sujeito à restrição orçamentária. Ou seja, o indivíduo busca a maior cesta de bens que satisfaçam suas preferências dentro do seu orçamento. Vamos supor que o indivíduo tem preferências bem comportadas [ou seja, as preferências são transitivas, completas, fortemente monótonas, estritamente convexas, homotéticas e contínuas (para saber mais, recomendo Mas-Colell et al., 1995)]. Dado isso, podemos representar graficamente o problema e a sua solução da seguinte maneira:
Ou seja, o indivíduo escolhe o nível de utilidade em que a taxa pelo qual ele sacrifica o consumo do bem 1 para consumir mais uma unidade do bem 2 se iguala aos preços relativos dos bens, i.e., p1/p2. Portanto, o agente escolhe de tal modo que para conseguir o máximo de bem-estar, ele gasta toda sua renda, por isso a solução se encontra no ponto de tangência entre a restrição orçamentária do indivíduo com a sua curva de indiferença, que denota um nível de utilidade específico (no caso U’).
Perceba que quanto mais para cima e para a direita a curva de indiferença estiver, maior será o seu nível de bem-estar. Consequentemente, um aumento (exógeno) da renda, neste cenário, necessariamente implica em um aumento de bem-estar do agente, uma vez que desloca a reta orçamentária para a direita! Com sua nova renda, y’, o problema do consumidor vira o seguinte:
Como y’ > y, então se segue matematicamente que:
Graficamente, a resolução fica assim:
Portanto, desse cenário concluímos que o aumento da renda (y) implica um aumento de bem-estar (U). Consequentemente, em uma economia em que as preferências são bem comportadas (em uma análise estática), o que se observa é que a renda é uma boa proxy para bem-estar, uma vez que as duas variáveis estão relacionadas na medida em que uma variável reflete a outra. Aqui temos nosso motivo para usar a desigualdade de renda como proxy, embora se exige que sejam satisfeitas condições bem fortes para valer essa análise.
Mas suponha, agora, uma economia com bens públicos, ou seja, bens que os indivíduos consomem que geram algum tipo de externalidade, que entram na utilidade do indivíduo mesmo que ele não pague por esse bem. Então a utilidade do indivíduo vai ser da seguinte maneira (considerando apenas dois indivíduos, dois bens privados e um bem público):
em que g é um bem público.
Imagine que as utilidades e as rendas dos dois indivíduos sejam iguais. Portanto, y_a = y_b e possuem a mesma U_a = U_b. Mas vamos supor que o indivíduo a tem um acesso mais próximo ao bem público que o indivíduo b, i.e., g_a > g_b (ou seja, o bem público é um bem público local). Isto implica que mesmo que a renda seja igual entre os indivíduos, dado o diferencial no consumo do bem público, tem-se que o nível de utilidade do indivíduo a é maior que o nível de utilidade do indivíduo b, ou seja, U_a > U_b – mesmo possuindo a mesma renda!
Ou seja, neste cenário com bem público local, a renda não reflete diretamente o nível de bem-estar, uma vez que indivíduos com a mesma renda, ainda assim não apresentam o mesmo nível de bem-estar. Consequentemente, em cenários como este, no qual a economia possui bens públicos (e externalidades no geral) pode-se dizer que renda não é uma boa proxy para bem-estar. Ou seja, existe uma diferença de bem-estar entre os indivíduos que não é capturada pelas unidades monetárias que eles possuem.
Outro fator a considerar é qual é a renda relevante. Para entender esse ponto olhemos para um problema de escolha intertemporal (leia mais sobre isso aqui e aqui). Vamos considerar o caso simples onde existem apenas dois períodos, o presente e o futuro. O indivíduo pode consumir hoje, c1, ou poupar e consumir amanhã, c2. Assim, considerando a renda trazida a valor presente usando a taxa de juros r temos que o problema do consumidor é o seguinte:
Tomando m1 como o quanto o indivíduo ganha no período corrente e m2 como o quanto o indivíduo ganha no período futuro. Quando consideramos que o indivíduo possui preferências bem comportadas, o diagrama de escolha é o mesmo que no caso canônico:
Note que o que importa para o indivíduo não é o quanto ele ganha no período corrente, m1, mas o valor presente do total de sua renda, m1 + m2/(1 + r). Então, não basta olharmos para a renda do indivíduo em um período para inferir sobre seu nível de bem-estar, mas devemos olhar para o fluxo de renda do agente trazido a valor presente, uma vez que seu bem-estar não está relacionado com a renda em um único período, mas ao valor presente.
Para resolver este problema teríamos que olhar exatamente para o fluxo de renda do agente, ou para algo que é uma proxy desse fluxo, como por exemplo os ativos (ou riqueza) que este possui. Olhar para ativos faz sentido na medida em que neles há um alinhamento com seu fluxo de renda, pois se o indivíduo acha que terá um fluxo de renda muito grande ao longo de sua vida, então ele pode, por exemplo, comprar uma casa maior que seu fluxo de renda presente, uma vez que ele sabe que pode recorrer ao mercado de crédito, tomar dinheiro emprestado e pagar as prestações ao longo do tempo. Neste cenário, para auferir bem-estar faz mais sentido olhar o imóvel do indivíduo (seu ativo) do que quanto ele ganha trabalhando.
Suponhamos um outro cenário em que o indivíduo não consegue recorrer ao mercado de crédito, assim não consegue pegar recursos emprestados. Ou seja, isso significa que ele não consegue obter a renda m2 e usar para consumir quando tem somente m1. Assim, o indivíduo só consegue se autofinanciar para consumir mais do que ganha apenas no período futuro – se ele quiser consumir mais do que ganha no período corrente, ele não consegue.
Então vamos supor que suas preferências são tais que sua função de utilidade pode ser representada da seguinte maneira:
Tal agente possui uma alta taxa de desconto intertemporal, e portanto prefere consumir hoje a consumir amanhã. Neste caso, as cestas de consumo que maximizam sua utilidade seriam compostas pelo seguinte conjunto S:
Entretanto, suponha que o indivíduo não possui acesso ao mercado de crédito, por exemplo por ele ser muito pobre e não possuir colateral. Assim, por essa e outras razões, ele é visto pelos bancos (ou demais entidades financeiras) como tendo uma alta probabilidade de dar calote. Decorrente do fato de não conseguir um empréstimo, não consegue consumir mais do que sua renda permite no período 1, i.e., a cesta ótima do agente não estará no conjunto S. Portanto, temos que:
Ou seja, isso se traduz graficamente da seguinte maneira:
O agente só tem acesso ao mercado de crédito como emprestador, uma vez que pode poupar, mas não como tomador, já que o banco não lhe provê empréstimos. Perceba na imagem que as combinações de cestas não são possíveis no conjunto S, o que implica que o nível de utilidade decorrente do seu consumo efetivo (e factível) é mais baixo que seu nível de utilidade potencial no cenário em que ele tivesse acesso pleno ao mercado de crédito.
Suponhamos então que existam dois indivíduos que possuem o mesmo fluxo de renda e mesma utilidade, entretanto um é visto como tendo uma alta probabilidade de dar default caso peça um empréstimo, enquanto o segundo é visto como tendo uma baixa probabilidade de dar default. Então perceba que o indivíduo com empréstimo consome no ponto vermelho da imagem, i.e., consome menos do bem no tempo 2 e mais no tempo 1. Já o indivíduo restringido no mercado de crédito consome no ponto roxo da imagem, i.e., consome mais do bem no tempo 2 e menos no tempo 1 (no caso, c1 = m1).
Dadas essas considerações, conclui-se que renda é uma métrica insuficiente para capturar o bem-estar dos indivíduos, consequentemente para se mensurar a desigualdade econômica se faz necessário, idealmente, usar uma métrica multidimensional, que não só capta o nível de renda a valor presente, mas também o acesso do indivíduo aos diversos mercados, em particular o mercado de saúde e de educação, assim como a sua rede de seguro, i.e., a rede pessoal em que ele consegue recorrer em uma situação de escassez. Por isso, na literatura especializada sobre desigualdade, muito se discute sobre essas medidas multidimensionais e como produzi-las, quais variáveis considerar, etc. Entretanto, uma vez que se aceita a necessidade de considerar múltiplas dimensões, surgem novos problemas: como observar e coletar as informações relevantes e como ponderar essas variáveis.
Paremos por aqui para evitar um texto excessivamente longo. Mas uma vez que tiramos essas considerações primárias fora do caminho, pode-se começar a trabalhar em como estimar essa igualdade e de entender sua relação com crescimento. Todavia, deixaremos para textos futuros. Espero que tenham gostado e até a próxima.
Referências
Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, and Jerry R. Green. Microeconomic theory. Vol. 1. New York: Oxford university press, 1995.
Nicholson, Walter, and Christopher M. Snyder. Microeconomic theory: Basic principles and extensions. Cengage Learning, 2012.
Piketty, Thomas. “Capital in the 21st Century.” Cambridge, MA: President and Fellows, Harvard College (2013).
Ray, Debraj. Development economics. Princeton University Press, 1998.
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Leia também:
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