Efeitos econômicos da abertura comercial

Com o advento da crise de 2015-16 e o visível fracasso das políticas econômicas adotadas pelo governo Dilma, surgiu um inevitável debate sobre quais seriam as futuras diretrizes do país, e, com ele, felizmente, discussões sobre a abertura comercial também foram levantadas. Tendo isso em vista (e buscando inserir nesse debate os que estão ávidos por um novo ciclo de crescimento nacional, mas não possuem, por qualquer motivo que seja, conhecimento suficiente acerca do tema) abordaremos nesse texto os efeitos microeconômicos de uma abertura comercial.

Inicialmente, para que possamos entender a lógica do comércio internacional, é preciso que tenhamos em mente algumas verdades sobre o comportamento desses mercados. Faremos isso imaginando um cenário hipotético de um país com fronteiras comerciais fechadas, ou seja, que não comercializa com o mundo, nem como exportador e nem como importador.

Com isso posto, façamos uma simples pergunta: o que aconteceria se esse país abrisse suas fronteiras para o comércio? A resposta depende da comparação dos preços praticados internamente com aqueles praticados internacionalmente, para cada mercado analisado, da seguinte forma:

– Se, para um produto “x”, o país tiver um preço doméstico superior ao preço praticado no restante do mundo, isso indica que os produtores locais possuem menor eficiência produtiva se comparados aos ofertantes presentes nos mercados globais e, portanto, que esse país é um propenso importador desse bem.

– Mas se, para um produto “y”, o inverso ocorrer, ou seja, se o país praticar internamente um preço menor do que o restante do mundo, isso indica maior eficiência produtiva e, portanto, que esse país tem vocação para participar do mercado internacional como exportador.

Isso é verdade por um motivo bastante óbvio: desde que os produtos sejam iguais aos seus concorrentes importados (ou suficientemente parecidos para que as diferenças qualitativas não alterem significativamente a disposição dos consumidores a pagar por eles), os consumidores escolherão aquele com o menor preço. Da mesma forma que os ofertantes escolherão vender para os consumidores que melhor lhes remunerarem. Assim, para fins didáticos, assumiremos nessa análise que os bens comprados e vendidos nesses mercados são iguais ou suficientemente parecidos a ponto de suas diferenças serem desprezíveis.

Abaixo está uma imagem demonstrando os efeitos da abertura comercial sobre os indivíduos do país.

Agora analisemos o caso 1. Nele temos um determinado mercado que comercializa um determinado bem de consumo em uma economia inicialmente fechada (figura 1). Nessas condições, as curvas de oferta (O) e demanda (D) (linha azul e vermelha, respectivamente), estão dispostas de tal maneira que formam um preço de equilíbrio (Pi), transacionando uma quantidade de equilíbrio (Qi) e produzindo excedentes totais equivalentes à soma das áreas dos triângulos EV e EC.

Se esse mercado, até então isolado do comércio global, sofrer um processo de abertura e se deparar com um cenário internacional onde o preço praticado é inferior àquele praticado internamente, teremos o cenário descrito na figura 2. Nela, descrevemos o preço praticado internacionalmente através da curva de oferta internacional (OI – linha azul escuro). Essa curva nada mais faz do que representar os novos players que acabaram de entrar nesse jogo: os fornecedores estrangeiros.

Com a entrada desses novos ofertantes o sistema de concorrência força o preço interno (descrito na figura 1 como Pi) para baixo, até o ponto em que esse se igualará ao preço praticado internacionalmente, formando um novo preço de equilíbrio (Pf) na exata altura da curva de oferta internacional (OI). Isso pelo simples fato que mencionamos logo acima: os consumidores não pagarão mais por um produto “x” se puderem pagar menos. E isso leva os produtores nacionais (representados na curva de oferta “O”) reduzirem sua produção de “Qi” para “Qfv”, ao mesmo tempo que as quantidades comerciadas nesse setor aumentam de “Qi” para “Qf”, sendo “Qf-Qfv” as quantidades importadas.

O processo de abertura comercial afeta os excedentes da seguinte maneira: como o preço de equilíbrio cai, os produtores nacionais são prejudicados na medida da queda do preço, porém todo o EV perdido é convertido em EC. Já os consumidores, além de absorverem todo o bem-estar perdido pelos vendedores, ganham um acréscimo de excedentes de importação (triângulo vermelho escuro “ECm” na figura 2). E isso ocorre justamente por um motivo bastante óbvio (principalmente para quem leu nosso texto a respeito dos excedentes do mercado): o surgimento dos ofertantes estrangeiros nesse mercado equivale a um choque positivo de oferta, que, além de aumentar os excedentes totais (de EV+EC para EV+EC+ECm), diminui o poder de mercado dos produtores nacionais.

Em suma: uma abertura comercial para a importação piora a condição dos produtores nacionais e melhora a situação dos consumidores, sendo que os ganhos destes superam as perdas daqueles, além de aumentar a competição (e em mercados onde os produtos não são tão parecidos quanto como assumimos aqui, também a variedade dos produtos vendidos).

Já no caso 2 temos um país que pratica internamente um preço (Pi) inferior àquele pago pelos mercados globais. “Qi” é a quantidade de equilíbrio e EC+EV representam os excedentes totais desse setor em uma economia fechada (figura 1).

Já na figura 2, temos representado o cenário pós-abertura. Nele, tal como ocorreu no caso 1, o preço internacional (identificado pela curva da demanda internacional – Linha Vermelho Escuro “DI”) passa a ser o mesmo preço de equilíbrio (Pf), pois os produtores nacionais não venderão o produto para os consumidores locais por um valor menor do que podem obter exportando. Assim as quantidades vendidas no mercado interno (ou compradas pelos consumidores locais) caem de “Qi” para “Qfc” e as produzidas internamente aumentam de “Qi” para “Qf”. E, analogamente ao caso 1, a chegada dos importadores estrangeiros representa um choque positivo de demanda nesse mercado.

Os excedentes dos consumidores diminuem, pois agora o produto ficou mais caro (vejam que o triângulo vermelho “EC” encolheu), mas todo o excedente perdido pelos consumidores foi absorvido pelos vendedores (triângulo azul “EV” cresceu na mesma medida do encolhimento de “EC”), além do acréscimo dos excedentes de exportação (EVx). Isso significa que, com uma abertura econômica para exportação, os consumidores locais saem perdendo, porém, perdem menos do que os produtores locais ganham, ou seja, assim como no caso das importações, as exportações também aumentam o bem-estar total.

A conclusão que podemos tirar disso é bastante simples. Quando se discute a respeito de abertura comercial de forma mais rasa (como infelizmente é feito muitas vezes na grande mídia), é sempre possível que as pessoas fiquem mais incomodadas pelas perdas geradas do que felizes com os possíveis ganhos. Por isso, é normal que elas se posicionem contra a ideia de comercializar com o restante do mundo. Porém, quando vamos mais a fundo e dimensionamos as perdas e os ganhos (tal como fizemos nesse texto) e constatamos que os ganhos de estarmos inseridos nos mercados globais superam as perdas, fica bastante difícil defender uma economia fechada.

Evidentemente a realidade é mais complexa do que os modelos descritos nesse breve texto. As economias do mundo real apresentam impostos (e suas perdas de peso morto), informações assimétricas, produtos qualitativamente bastante diferentes, custos de transporte entre países e, obviamente, fatores geopolíticos e grupos de pressão. Contudo, nem por isso as lições aqui aprendidas, bem como as conclusões daqui tiradas, deixam de ser verdadeiras.

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